quinta-feira, 3 de outubro de 2019

O Testamento de Abraão

Evangelhos Apócrifos

O Testamento de Abraão

Capítulo 1

ABRAÃO VIVEU a medida de sua vida, novecentos e noventa e cinco anos, e tendo vivido todos estes anos em quietude, gentileza, e justiça, sendo o único justo era extremamente hospitaleiro; porque, erguendo sua tenda no cruzamento dos caminhos no carvalho de Mamre, ele recebeu a todos, fossem ricos fossem pobres, reis e governantes, abastado ou abandonados, amigos e estranhos, vizinhos e viajantes, a todos tratou igualmente de modo piedoso, santo, justo e hospitaleiro. E até mesmo sobre ele veio a comum, inexorável e amarga presença da morte, isto é, o incerto fim da vida. No entanto, o Senhor Deus, convocando seu arcanjo Miguel, disse-lhe: Desça, Príncipe Miguel, a Abraão e diga-lhe a respeito de sua morte, para que ele possa colocar suas tarefas em ordem, pois eu o abençoei como o número das estrelas do céu, e como o da areia da praia, e ele possui abundância de longa vida e muitas posses, e tem se tornado extremamente rico. Além de todos os homens, também, ele é justo em cada ato, bom, hospitaleiro, amável até o fim de sua vida; mas tu, arcanjo Miguel, vá até Abraão, meu amigo amado, e anuncia-lhe sua morte e assegure-o disto: Tu deves agora partir deste mundo vão, e deves deixar este corpo, e ir para junto de teu Senhor entre os bons.

E o príncipe partiu de diante da face de Deus, e desceu para até Abraão ao carvalho de Mamre, e encontrou o justo Abraão no campo e se aproximou, assentando-se ao lado da junta de bois na lavoura, juntamente com os filhos de Masek e outros servos, que perfaziam o número de doze. E então o príncipe chegou-se a ele, e Abraão, vendo o príncipe Miguel que vinha ao longe, semelhante a um guerreiro, ergueu-se e o encontrou como era seu costume, de encontrar e acolher todos os estrangeiros. E o príncipe o saudou e disse: Salve, honradíssimo pai, alma justa e eleita. Mas acontece, que o dia da morte de Abraão estava próximo, e o Senhor disse a Miguel: Levante-se e vá ter com Abraão, meu servo, e diga-lhe, que ele deve partir desta vida, agora! Pois os dias de tua vida terrena se cumpriram: de maneira que ele pode arrumar a sua casa antes de morrer.

E Miguel foi e aproximou-se de Abraão, e o encontrou assentado diante de sua junta de bois, e ele era muitíssimo velho ria aparência e tinha seu filho em seus braços, Abraão, então, vendo o arcanjo Miguel, levantou-se do chão e o saudou, sem saber quem ele era, e disse-lhe: O Senhor te preserve. Que tua viagem seja próspera. E Miguel lhe respondeu: Tu és amigável, bom pai. E Abraão respondendo disse-lhe: Venha, aproxime-se, irmão, e sente-se um pouco, enquanto trazem uma mula para que possamos ir para minha casa, e tu possas descansar comigo, pois está tarde, e pela manhã te levantes e vás com Deus, verdadeiro filho do único que está nos céus. E Abraão continuou a dizer ao príncipe: Salve, honradíssimo guerreiro, que brilha como o sol e de beleza bem acima da dos homens: tu és bem vindo; por isso roguei por tua presença, diga-me de onde o jovem provêm; ensina-me, te suplico, de onde e de qual exército e de onde vem esta beleza. O príncipe disse: Eu, ó justo Abraão, venho da grande cidade. Fui enviado pelo grande rei para tomar o lugar de um grande amigo seu, por que o rei o convocou. E Abraão disse, Venha, meu Senhor, acompanhe-me até o campo. O príncipe disse: Eu vim; e sairei ao campo da lavoura. Eles se assentaram ao lado da companhia. E Abraão disse aos seus servos, os filhos de Masek: Ide à manada de cavalos e trazei dois cavalos mansos, gentis e domados, de maneira que eu e este estranho possamos montá-los. Contudo o príncipe disse, na verdade, meu Senhor, Abraão, não é necessário que tragam os cavalos, pois eu não me permito assentar-me sobre qualquer besta quadrúpede. Acaso meu rei não é rico, e não tem poder tanto sobre homens como sobre todo tipo de gado? Vamos, então, ó alma justa, andando suave-mente até tua casa. E Abraão disse, Amém, que assim seja.

Capítulo 2

E enquanto eles iam do campo para a casa, ao lado deste caminho havia um cipreste, e pela vontade do Senhor a árvore clamou com voz humana, dizendo, Santo, santo, santo é o Senhor Deus que chama para si aquele que o ama; mas Abraão ocultou o mistério, achando que o príncipe não tinha ouvido a voz da árvore. E chegando à casa eles se assentaram na varanda, e Isaac vendo a face do anjo disse à Sara sua mãe, Minha senhora mãe, vede, o homem que se assenta com meu pai Abraão não pertence à raça dos que habitam a terra. E Isaac correu, e o saudou, e caiu diante dos pés do incorpóreo, e o incorpóreo o abençoou e disse, O Senhor Deus cumprirá em ti a promessa que fez a seu pai Abraão e à sua semente, e também conceder-te-á a preciosa oração de teu pai e de tua mãe. Abraão disse a Isaac seu filho, meu filho Isaac, retire água do poço e traga-me em um pote, para que eu possa lavar os pés deste estranho, pois ele está cansado de ter vindo de uma longa viagem. E Isaac correu ao poço e retirou água e lhes trouxe em um pote, e Abraão abaixou-se e lavou os pés do estranho para que por onde ele andasse nenhuma fera má o encontrasse e o ferisse. E Miguel quis saber de Abraão, dizendo: Diga-me teu nome, antes que eu entre em tua casa, para que eu não seja ofensivo a ti. Abraão respondeu e disse, meus pais me chamaram Abraão, e o Senhor mudou meu nome para Abraão, dizendo: Levanta e sai de tua casa, e da tua parentela, e vá para um lugar ao qual eu te mostrarei a ti. E quando eu sai para a terra que o Senhor me mostrou, ele me disse: Teu nome não mais será Abrão, mas teu nome será Abraão. Miguel respondeu e lhe disse: Perdoe-me, meu pai, homem experimentado por Deus, porque eu sou estranho, e tenho ouvido de ti que andaste muito e trouxeste bodes e os mataste, acolhendo anjos em tua casa, para que eles pudessem descansar ali. E enquanto falava levantou-se e foi para a casa. E Abraão chamou um de teus servos, e disse-lhe: Vá, traga-me uma mula para que o estranho possa se assentar nele, pois ele está cansado de sua viagem. E Miguel disse: Não atormente o jovem, mas vamos lentamente até tua casa, porque eu gosto de tua companhia.

Capítulo 3

E levantando-se saíram, e enquanto se dirigiam para a cidade, cerca de seiscentos metros dali, encontraram uma grande árvore que tinha uns trezentos ramos, parecida com uma tamareira. E eles ouviram uma voz que vinha dos seus ramos, "Santo és tu, pois tu guardaste o propósito para o qual foste enviado." E Abraão ouviu a voz, e ocultou o mistério em seu coração, dizendo consigo, que mistério é este que tenho ouvido? Quando ele chegou em casa, Abraão disse a seus servos, levantem-se, ide ao rebanho de ovelhas e trazei-me umas delas, e matai-as rapidamente, e aprontai-as para que eu possa comer delas e beber, porque este é um dia de festa para nós. E os servos trouxeram as ovelhas, e Abraão chamou a seu filho Isaac, e disse-lhe, meu filho Isaac, levante-se e ponha água num pote para que possamos lavar os pés deste estrangeiro. E ele fez como seu pai lhe pedira, e Abraão disse, eu vejo, e assim será, que nesta bacia eu jamais voltar e a lavar os pés de qualquer homem que venha aqui se hospedar. E Isaac ouvindo o que sei. pai disse chorou, e lhe disse meu pai o que tu estás dizendo, esta é acaso a última vez que lavas aos pés de um estranho. E Abraão olhando para seu filho que chorava, também choros aos pés do príncipe Miguel, ficou comovido em seu coração e chorou diante do estranho. Isaac, vendo a seu pai que chorava, voltou a chorar juntamente com o príncipe que agora chorava com eles, e as lágrimas do príncipe caíram no vaso e na água da bacia e se tornaram pedras preciosas. E Abraão vendo o milagre ficou espantado, e tomou secretamente as pedras e ocultou o mistério, guardando-o para si em seu coração.

Capítulo 4

E Abraão disse a Isaac seu filho: Vá, meu amado filho, entre no quarto e o deixe bonito. Disponha-nos ali dois assentos, um para mim e outro para este homem que é meu convidado neste dia. Prepare-nos uma mesa com tudo que há de bom. Embeleze o quarto, meu filho, e arrume-o com linho fino e púrpura. Queime todo incenso precioso e excelente, traga ervas aromáticas do jardim e encha nossa casa com elas. Acenda sete lâmpadas cheias de óleo, de maneira que possamos nos alegrar, por que este homem é nosso convidado neste dia que é mais glorioso do que um dia de rei, e a aparência deste homem é melhor que de todos os filhos dos homens. E Isaac preparou todas as coisas, e Abraão tomou o arcanjo Miguel e foi para a câmara, e ambos comeram e se assentaram sobre os divãs, e entre eles foi posta uma mesa cheia de todas as coisas boas. Em seguida o príncipe se ergueu e saiu, como que constrangido por sua barriga a fazer sair água, e ascendeu ao céu num piscar de olhos, e ficou diante do Senhor, e disse-lhe: Senhor e Mestre, que o teu poder saiba que sou incapaz de fazer lembrar a este justo sobre sua morte, pois jamais vi sobre a terra homem como este, que seja piedoso, hospitaleiro, justo, fiel, devoto, que se detém de fazer o mal. E agora saiba Senhor, que não posso avisar-lhe sobre sua morte. E o Senhor disse: Desça, príncipe Miguel, ao meu amigo Abraão, e tudo o que ele lhe disser faça, e tudo o que ele comer coma com ele. E eu enviarei meu santo espírito sobre seu filho Isaac, e colocarei a lembrança de sua morte no coração de Isaac, de maneira que ele possa ver a morte de seu pai em um sonho, e Isaac contar-lhe-á o sonho, e tu o interpretará, e assim ele saberá de seu fim. E o príncipe disse, Senhor, todos os espíritos celestiais são incorpóreos, e não comem nem bebem, e este homem pôs diante de mim uma mesa com tudo que há de bom dentre as coisas terrenas e corruptíveis. E agora, Senhor, o que eu devo fazer? De que maneira me esquivarei dele...

Capítulo 5

Quando Sara, entrou em sua casa, ouviu-os chorar, ela saiu e disse a Abraão, Senhor, por que estás chorando? Abraão respondeu, e a consolou dizendo que não é nada de mal. Vá para tua casa e faça o teu trabalho para que não sejas inoportuna ao visitante. E Sara saiu, indo preparar o jantar. E o sol estava quase se pondo, e Miguel saiu da casa, e foi tomado para o céu para adorar diante de Deus, porque ao pôr do sol todos os anjos adoram a Deus e Miguel é o primeiro dentre os anjos. E eles todos o adoraram, e foram cada um para o seu lugar, mas Miguel apresentou-se diante do Senhor e disse, Senhor, eis me diante de tua santa glória! E o Senhor disse a Miguel, anuncie tudo o que quiseres! E o Arcanjo respondeu e disse, Senhor, tu me enviaste a Abraão para dizer-lhe, deixarás o teu corpo e este mundo; o Senhor te chama; e eu não ouso, Senhor, revelar-me a ele, por que ele é teu amigo, e um homem justo, e alguém que recebe estranhos. Mas eu rogo-te, Senhor, faça com que a notícia da morte de Abraão entre em seu coração, e não deixe com que eu lhe conte isto, por que é grande descortesia dizer, deixe o mundo, e principalmente deixe seu próprio corpo, porque tu o criaste desde o início para ter piedade pelas almas de todos os homens. Então o Senhor disse a Miguel, levante-se e vá ter com Abraão, e fique com ele, e tudo o que vires ele comer, como tu também, e onde quer que ele durma, durma tu também. Porque eu porei o pensamento da morte de Abraão no coração de Isaac Seu filho durante um sonho o Senhor disse: Vá até ele, e não pense nisto, porque quando tu te assentares com ele, eu enviarei a um espírito consumidor, e ele consumirá o teu temor e passará por tua boca tudo o que estiver sobre a mesa. Alegre-si com ele em tudo, e tu deves interpretar apenas as coisas da visão, para que Abraão possa saber que vem a foice da morte e chega o incerto fim da vida, possa assim se despojar de todas as suas posses, pois eu dei bênçãos maiores que o número da areia do mar e do que o número das estrelas do céu.

Capítulo 6

Então o príncipe desceu a casa de Abraão, e assentou-se com ele à mesa, e Isaac os serviu. E quando a ceia terminou Abraão orou segundo seu costume, e o príncipe orou juntamente com ele, e cada se deitou para dormir em seu divã. Isaac disse a seu pai, Pai, e também gostaria de dormi convosco nesta câmara, para que eu também ouça seu discurso, porque estou gostando muito de ouvir a excelente deste homem. Abraão disse, sim meu filho, mas agora vá para teu próprio quarto e durma lá para que sejas importuno a este que nos visita. Então Isaac, tendo recebido de seu pai uma oração, e tendo os abençoado, foi para o seu próprio quarto e deitou-se sobre sua cama. O Senhor, porém, colocou o pensamento da morte em seu coração através de um sonho, e na terceira hora da noite Isaac despertou e se levantou de sua cama, e correu para o quarto onde dormiam seu pai e o arcanjo. Isaac, então, ao chegar à porta gritou, dizendo, meu pai Abraão, levante-se e abra para que eu entre, para que eu possa tocá-lo antes que se vá. E se remoendo pela ansiedade apertava seu próprio pescoço. Abraão em seguida começou a chorar levantou-se a abriu a porta e Isaac entrou e o segurou fortemente e começou a chorar em voz alta. Abraão, comovido, também chorava em voz alta, e o príncipe dos anjos, ao vê-los chorando, também se comoveu. Sara estando em seu quarto, ouviu que eles choravam, e foi até lá, e os encontrou abraçados e chorando. E Sara disse comovida, Meu Senhor Abraão, qual é o motivo deste pranto? Diga-me, meu Senhor, acaso este irmão que por nós foi acolhido trouxe alguma notícia de Ló, teu sobrinho, de que está morto? E porque estás tão angustiado? O príncipe respondeu e lhe disse, na verdade, minha irmã Sara, não é como tu dizes, mas teu filho Isaac, teve um sonho e nos veio despertar, e o vimos comovido e chorando.

Capítulo 7

Então Sara, ouvindo a excelência da conversa do príncipe, compreendeu que ele era um anjo do Senhor que falava. Sara no entanto avisou a Abraão para sair e lhe disse, Meu Senhor Abraão, sabes quem é este homem? Abraão disse, não sei. Sara disse, sabes, meu Senhor, os três homens do céu que nós acolhemos em nossa tenda ao lado do carvalho de Mamre, quando mataste um cabrito sem mácula, e puseste uma mesa diante deles. Depois que a carne havia sido comida, o cabrito se levantou novamente, e mamou em sua mão com grande alegria. E eles prometeram a ti, meu Senhor Abraão, de que nos daria Isaac como fruto do meu ventre? Daqueles três homens santos este é um deles. Abraão disse, ó Sara, há verdade neste teu dizer. Glória e louvor sejam a nosso Deus e Pai. Por que à tarde quando lavei seus pés na bacia eu disse em meu coração eu já lavei os pés deste homem uma vez. Em seguida suas lágrimas caíram na bacia e se tornaram pedras preciosas. E retirando-as de seu alforje deu-as a Sara, dizendo, se tu crês em mim olhe para estas pedras. E Sara recebendo-as curvou-se e saudando-o disse, Glória a Deus que nos mostra coisas maravilhosas. E saiba agora, meu Senhor Abraão, que entre nós está a revelação de alguma coisa quer boa quer má!

Capítulo 8

E Abraão deixou Sara, e entrou na câmara, e disse a Isaac, venha para cá, meu amado filho, diga-me a verdade do que tu viste, e o que aconteceu para que tu vieste tão rapidamente a nós. E Isaac respondendo começou a dizer, eu vi, meu Senhor, nesta noite a lua e o sol acima de minha cabeça, rodeando-me com seus raios e dando-me luz. Enquanto eu os observava e ma alegrava, vi o céu se abrindo, e a homem que descia trazia uma luz, que brilhava mais do que sete sóis. E este homem que se parecia com o sol tomou o sol que estava acima de minha cabeça, e subiu para os céus de onde viera, mas eu fiquei muito angustiado por ele ter tomado o sol acima de mim. Pouco depois, enquanto eu ainda estava triste e preocupado, eu vi este homem vindo do céu uma segunda vez, e tomou-me a lua também, e eu chorei copiosamente e clamei ao homem da luz e disse, Não, meu Senhor, não tome minha glória de mim; tende piedade de mim e ouça-me, e se tu já tomaste o meu sol deixe-me ao menos a lua. Ele, no entanto, disse, tu sofrerás tua perda, pois o rei que está acima os quer para si. E ele os tomou de mim, e em deixou. Então Sara disse a Abraão, como podes tu dormir quando um homem de Deus vem a ti, e porque teus olhos estão cheios de lágrimas se hoje é um dia de grande alegria? Abraão lhe disse, como sabes tu que este é um homem de Deus? Sara respondeu e disse, porque eu te disse e afirmei que este é um dos três que nós acolhemos junto ao carvalho de Mamre, quando um dos servos veio e trouxe um cabrito e tu o mataste, e me disseste, levanta e apronte este cabrito para que eu possa comer com estes homens em nossa casa. Abraão respondeu e disse, percebeste bem, mulher, porque eu também, quando lavei seus pés soube em meu coração que eu ia havia lavado estes pés lá junto ao carvalho de Mamre, quando comecei a pergunta sobre sua jornada, ele me disse: eu vou preservar Ló teu irmão que está em Sodoma, em seguida compreendi o mistério.

Capítulo 9

E Abraão disse a Miguel diga-me, homem de Deus, mostre-me por que vieste para cá. E Miguel disse. Teu filho Isaac te mostrará. E Abraão disse a seu filho, meu amado filho, diga-me o que viste no teu sonho hoje, e retire de nós esta angústia. Conta-nos. E Isaac respondeu a seu pai, em meu sonho eu vi o sol e a lua, e havia uma coroa sobre a minha cabeça, e do céu veio um homem de grande estatura, e ele brilhava como grande luz. Ele tomou o sol de cima de minha cabeça, e deixou seus raios comigo. E chorei e disse, rogo-te meu Senhor, não leves a glória de minha cabeça, e a luz de minha casa, e toda minha glória. E o sol e a lua e as estrelas lamentaram, dizendo, não retires a glória de nosso poder aquele homem que brilhava respondeu-me dizendo, não chores por que eu tomo a luz de tua casa, pois ela é tomada das aflições para o descanso, de um estado inferior para um superior; eles serão tomados e levados de um lugar estreito para um lugar mais amplo; da escuridão para a luz. E eu lhe disse rogo-te, Senhor, tome também os raios que estão acima de mim. E o príncipe disse, ouça, ó justo Abraão; o sol ao qual teu filho viu és tu, pai dele, e a lua igualmente é Sara sua mão. O homem que traz a luz e que desce do céu, este é um enviado de Deus que tomará tua alma justa de ti. E saiba agora, honrado Abraão, que neste tempo tu deves deixar este mundo, e ir para Deus. Abraão disse ao príncipe õ espantosas maravilhas! E agora tu vens para tomar minha alma de mim? E o príncipe lhe disse, eu sou o príncipe Miguel, que está na presença do Senhor, e fui enviado a ti para fazê-lo saber de tua morte. E em seguida devo parti para ele como me foi ordenado. Abraão disse, agora eu sei que tu és o anjo do Senhor, e que foste enviado para levar minha alma, contudo não irei contigo; mas faça tudo que te foi ordenado.

Capítulo 10

O príncipe ouvindo estas palavras imediatamente desapareceu e ascendeu aos céus para a presença de Deus, e contou-lhe tudo o que tinha visto na casa de Abraão; e o príncipe disse também ao Senhor, assim diz teu amigo Abraão, eu não irei contigo, mas faças tudo que te foi ordenado; e agora, ó Senhor Onipotente, que concede teu reino e tua glória, que ordenas? Deus disse ao príncipe Miguel, vá a meu amigo Abraão mais uma vez, e diga-lhe, assim diz o Senhor teu Deus, aquele que te trouxe à promessa de vida, para que tivesses mais bênçãos que o número da areia do mar e acima das estrelas do céu, e que abriu o útero da esterilidade de Sara, e concedeu-te Isaac como fruto de seu ventre já em idade avançada, na verdade vos digo que continuarei te abençoando e multiplicando tua semente, e concederei tudo que me pedires, por que eu sou o Senhor teu Deus, e não há outro além de mim. Agora digas porque te rebelaste contra mim, e porque estás pesaroso, e porque te rebelaste contra o meu arcanjo Miguel? Não sabes tu que todos que vieram de Adão e Eva já morreram, e que nem os profetas escaparam da morte? Nenhum daqueles que governam como reis escaparam da morte. Todos morreram, todos partiram para o Hades, foram todos cortados pela foice da morte. Mas sobre ti eu não enviei a morte, não permiti que sofresse ou que tivesse doença mortal, nem que a foice da morte o encontrasse, nem que as redes do Hades te engolfassem, jamais quis fazer algum mal. No entanto, para o teu consolo enviei meus raios a ti. E ele me disse, ainda há doze horas do dia e após isso eu tomarei seus raios. Enquanto o homem que brilhava dizia isto o sol da minha casa subia para o céu, e a coroa eu não mais a via, e o sol era semelhante a ti, meu pai. E Miguel disse a Abraão, teu filho Isaac falou a verdade, porque tu deves ir, e ser tomado aos céus, mas teu corpo permanecerá na terra, até que sete eras se cumpram, quando enfim toda carne deverá se levantar. Sendo assim, Abraão, ponha tua casa em ordem, pois o que ouviste é que deve acontecer a ti. O príncipe Miguel veio a ti, para que pudesses saber acerca de tua partida, para que pudesses arrumar a tua casa e todos os teus pertences, e abençoar a Isaac teu filho amado. E agora saiba que eu não fiz nada disso com a intenção de deixar-te aflito. E agora que sabes o teu destino diga se queres ou não partir?

Capítulo 11

E o príncipe recebendo as exortações do Senhor desceu para junto de Abraão, e vendo que o justo estava caído com sua face ao chão como se estivesse morto, contou-lhe tudo o que ouvira do Altíssimo. Então o santo e justo Abraão levantando-se com muitas lágrimas caiu novamente aos pés do incorpóreo, e rogou-lhe, dizendo, rogo-te, príncipe das hostes celestiais, visto que tu tens te dignado a vir a mim que sou um pecador e em tudo teu servo indigno. Rogo-te agora mesmo, ó príncipe, para que leves a minha palavra novamente ao Altíssimo, e digas, assim diz Abraão teu servo, leve minha palavra novamente ao Altíssimo, e deves dizer-lhe, Assim diz Abraão teu servo, Senhor, Senhor, em cada obra e palavra nas quais tenho te pedido tu me ouviste, e tens cumprido todo o meu conselho. Agora, Senhor, eu não resisto ao teu poder, porque eu também sei que não sou imortal mas mortal. Visto que por ti foram criadas todas as coisas, eu também temo e tremo diante da face de teu poder, e agora, Senhor e Mestre, ouça minha oração, porque enquanto estou ainda neste corpo desejaria ver toda a terra habitada e todas as suas criaturas que fizeste com a palavra, e quando e as vir, então deixarei este corpo sem tristeza. Assim o príncipe foi novamente estar diante de Deus, e dizer-lhe tudo que Abraão lhe tinha dito, dizendo, desejo contemplar toda a terra enquanto ainda estou vivo. E o Altíssimo ouvindo isto disse, chamando ao príncipe Miguel, tome uma nuvem de luz e anjos que tem o poder sobre as carruagens e desça, e tome o justo Abraão em uma carruagem de querubins e o eleve aos ares dos céus para que ele possa contemplar a terra.

Capítulo 12

E o arcanjo Miguel desceu e tomou Abraão em uma carruagem de querubins e o elevou aos ares dos céus e o colocou sobre uma nuvem com seis anjos, e Abraão ascendeu numa carruagem sobre uma nuvem e viajou sobre toda a terra. E Abraão viu o mundo como ele era naqueles dias, algumas lavouras, umas carroças, e em um lugar um rebanho, e em outro Abraão perguntou e disse a Miguel, rogo-te, Senhor, que se eu devo deixar o meu corpo, gostaria de ser tomado ainda vivo para ver as criaturas que o Senhor meu Deus criou no céu e na terra. Miguel respondeu e disse, isto não compete a mim, mas irei e direi ao Senhor sobre isto, se me for permitido mostrar-te-ei todas estas coisas.

Capítulo 13

E Miguel subiu aos céus e falou diante do Senhor com relação a Abraão, e o Senhor respondeu a Miguel, vá e tome Abraão em seu corpo, e mostre-lhe todas as coisas e tudo o que ele te disser faça pois ele é meu amigo. Desse modo, Miguel foi e tomou Abraão em seu corpo sobre uma nuvem, e o levou ao oceano. Saindo à noite viu que os homens dançavam e tocavam harpas, em outro lugar homens disputavam e lutavam pela lei, mais além choravam e se lembravam dos antepassados. Também viu recém casados recebidos com honras, e em uma palavra, ele viu todas as coisas que se fazem no mundo, boas e más. Abraão portanto passou sobre eles e viu homens com espadas, empunhando-as em suas mãos, e Abraão perguntou ao príncipe, quem são estes? O príncipe disse, estes são ladrões, que procuram cometer homicídio e roubar e queimar e destruir. Abraão disse, Senhor, Senhor, ouça minha voz, e faça com que feras selvagens saiam da floresta e os devorem. E assim que ele falou saíram feras da floresta e devoraram aqueles homens. E ele viu em um outro lugar um homem fornicando com uma mulher e disse, Senhor, Senhor, faça com que aterra possa se abrir e engoli-los, e imediatamente a terra fendeu-se e os engoliu. E viu em outro lugar homens que forçavam uma casa, e levavam as posses de outros homens, e disse, Senhor, Senhor, faça com que desça fogo dos céus e os consuma. E assim que falou, fogo desceu dos céus e os consumiu. E imediatamente veio uma voz dos céus aos príncipes, dizendo, ó príncipe Miguel, detenha a carruagem, e volte com Abraão para que ele não veja mais a terra, porque se ele contemplar tudo que existe de impiedade, ele destruirá toda a criação. Porque Abraão não tem pecado, e não tem piedade dos pecadores, mas eu criei o mundo, e não quero destruí-lo, contudo, espero pela morte do pecador, até que ele se converta e viva. No entanto, tome Abraão e o leve ao portão do céu, para que ele possa ver os juízos e as recompensas, e se arrependa pelas almas dos pecadores aos quais ele destruiu.

Capítulo 14

Assim Miguel virou a carruagem para outra direção e levou Abraão para o leste, para o primeiro portão do céu; e Abraão viu dois caminhos, um mais estreito e acanhado e outro mais largo e espaçoso, e ali ele viu dois portões, um largo no caminho largo e outro estreito no caminho estreito. E fora dos dois portões avistou um homem assentado num trono dourado, e a aparência daquele homem era terrível, como a do Senhor. E eles viram muitas almas conduzidas pelos anjos que passavam pelo portão mais largo, e outras almas, poucas em número, que eram tomadas pelos anjos pelo portão estreito.

Capítulo 15

E depois de Abraão ter visto o lugar do julgamento, a nuvem o tomou e o levou para baixo, e Abraão, olhando para a terra, viu um homem que cometia adultério com uma mulher casada. E Abraão se voltando a Miguel disse: vês esta impiedade? Senhor, envie fogo do céu para os consumir. E imediatamente desceu o fogo e os consumiu, porque o Senhor disse a Miguel, tudo o que Abraão te pedir faça. Abraão olhou novamente, e viu outros homens s queixando de seus companheiros, e disse, que a terra se abra e os engula, e enquanto ele falava a terra os engoliu vivos. Novamente a nuvem o levou para um outro lugar, e Abraão viu alguns homens indo para um lugar deserto para cometerem um homicídio, e ele disse a Miguel, vês esta impiedade? Que feras selvagens saiam do deserto e os despedacem, e naquela mesma hora as feras saíram do deserto e os devoraram. Então o Senhor Deus falou a Miguel dizendo, leve de volta Abraão para sua casa, e que ele não circule mais pela criação que fiz, pois ele não tem compaixão dos pecadores, mas eu tenho para que eles vivam e selam salvos.

Capítulo 16

E Abraão olhou e viu dois portões, um pequeno e outro grande, e entre os dois portões assentava-se um homem sobre um trono de grande glória, e uma multidão de anjos o rodeava, e ele estava chorando, e depois sorrindo, mas seu choro excedia seu riso sete vezes. E Abraão disse a Miguel, quem é este que se assenta entre os dois portões em grande glória; às vezes ri e às vezes chora, e seu choro excede seu riso sete vezes? E Miguel disse a Abraão, não sabes tu que ele é? E ele disse, não, Senhor. E Miguel disse a Abraão, vês estes dois portões, o menor e o maior? Estas poucas pessoas são as que aquele homem admirável que se assenta no trono dourado vê entrar pelo portão estreito, e aqueles muito são os que entram pelo portão largo, imediatamente ao ver estes aquele homem admirável puxa os cabelos de sua cabeça e arranca sua barba e se lança ao chão, chorando e lamentando. Mas quando ele vê muitas almas entrando pelo portão estreito, então ele se levanta e se assenta em seu trono com grande alegria, regozijo e exultação. E Abraão perguntou ao príncipe, Meu Senhor, quem é este homem admirabilíssimo, adornado com tal glória, e que às vezes chora e lamenta e que outras se regozija e exulta? O incorpóreo disse: Este é o primeiro criado Adão que está em tal glória, e ele olha para o mundo porque todos nasceram dele, e quando ele vê muitas almas indo para o portão estreito então ele se levanta e se assenta em seu trono regozijando e exultando em alegria, porque este portão estreito é o do justo, que conduz à vida, e aqueles que entram por ele vão para o Paraíso. Por isso, ele, o primeiro criado, Adão, se regozija, porque ele vê as almas sendo salvas. Mas quando ele vê muitas almas entrando pelo portão largo, então ele puxa seus cabelos e se lança ao chão chorando e lamentando amarga-mente, porque o portão largo é o dos pecadores, que leva à destruição e castigo eterno. E por isso ele cai de seu trono chorando e lamentando pela destruição dos pecadores, pois são muitos os que se perdem, e poucos os que se salvam, visto que dentre sete apenas um se salva, sendo justo e imaculado.

Capítulo 17

Enquanto ele dizia estas coisas para mim, eis que dois anjos, com aspecto de fogo, impiedosos na intenção, e severos na aparência, levavam aquelas almas, impiedosamente chicoteando-as com línguas de fogo. O anjo retirou uma alma e lançou todas as demais no portão largo para a destruição. Assim nós também fomos com os anjos, e entramos com eles pelo portão largo, e entre os dois portões ficava um trono de terrível aspecto, feito de cristal, flamejante como fogo, e sobre ele assentava-se um homem admirável que brilhava como o sol, como o Filho de Deus diante dele estava uma mesa de cristal, toda de ouro e forrada com linho fino, e sobre a mesa havia um livro, sua espessura era de seis cúbitos, e a largura de dez, e à sua direita e à sua esquerda ficavam dois anjos sustentando papel, tinta e pena. Diante da mesa assentava-se um anjo de luz, segurando uma balança, e à esquerda do homem assentava-se um anjo de fogo, impiedoso e severo, sustentando uma trombeta que levava à vida e à destruição. O homem que se assenta entre eles é Adão, o primeiro homem que o Senhor criou, e o colocou neste lugar para ver cada alma que deixa o seu corpo, para ver que todos dele nasceram. Quando, portanto, o vires a chorar, saiba que ele viu muitas almas sendo levadas à destruição, mas quando tu o vires sorrindo, é porque viu muitas almas sendo conduzidas para a vida. Vê como seu choro excede seu riso? Visto que ele vê um número muito maior do mundo sendo levado para o portão largo que leva à destruição, por isso seu choro excede seu riso sete vezes.

Capítulo 18

E Abraão perguntou: e aquele que não puder entrar pelo portão estreito, não poderá entrar na vida? Então Abraão chorou, dizendo, ai de mim, que farei? Pois sou um homem de corpo grande, e como serei capaz de entrar pelo portão estreito pelo qual nem mesmo um garoto de quinze anos pode entrar? Miguel respondeu e disse a Abraão, não temas, pai, nem se preocupe, pois tu deves entrar sem impedimento, e também todo aquele que é como a ti. E quando Abraão parou e se maravilhou, eis que viu um anjo do Senhor conduzindo seis mil almas à destruição. E Abraão disse a Miguel, vão todos estes para a destruição? E Miguel lhe disse, sim, mas vamos procurar dentre elas se há uma justa e reta. E quando foram, encontraram um anjo sustentando em suas mãos a alma de uma mulher, e seus pecados se acharam em igualdade de peso com suas justiças, e eles nem a empurraram nem a prenderam, mas ficou num estado intermediário; e as outras almas foram levadas à destruição. Abraão disse a Miguel, Senhor, este é o anjo que remove as almas de seus corpos ou não? Miguel respondeu e disse, esta é a morte, e ela as leva para o lugar do julgamento, para que o juiz possa prová-los.

Capítulo 19

E Abraão disse, Meu Senhor, rogo-te que me leves ao lugar do julgamento para que eu veja o fogo que a tudo consome e que prova os pecadores. O juiz é o homem admirável que se assenta no trono e julga e sentencia as almas, e os dois anjos à sua direita e à sua esquerda escrevem, um as justiças e o outro as iniqüidades. Aquele diante da mesa, que sustenta a balança, pesava a: almas, e o anjo de fogo, que sustentava o fogo, provava as almas. E Abraão perguntou ac príncipe Miguel, o que são es tas coisas que vemos?

E o príncipe disse, isto que tu vês, santo Abraão, são o julgamento e as recompensas. É então o anjo que sustentava alma consigo a trouxe diante do juiz, e o juiz disse a um dos anjos que o servia, abram este livro, e encontrem os pecado; desta alma. E abrindo o livro encontrou seus pecados e suas justiças em igual medida de peso, e não a entregou nem aos atormentadores nem aos que foram salvos, mas coloque-a no meio.

Capítulo 20

E Abraão disse, meu Senhor príncipe, quem é este juiz admirável? E quem são os anjos que escrevem? E quem é o anjo semelhante ao sol, que sustenta a balança? E quem o anjo de fogo que sustenta fogo? O príncipe disse, vês santíssimo Abraão, o homem terrível assentado no trono. Este é o filho do primeiro criado, Adão, que se chama Abel que o ímpio Caim assassinou e que se assenta assim para julgar toda a criação, e examina os justos e os pecadores Pois Deus disse, eu não julgarei, mas todo homem deve se julgado. Portanto, entregou-lhe o juízo, para julgar o mundo a sua grande e gloriosa vinda, então, o justo Abraão, este é juízo e a recompensa perfeita que ninguém pode alterar. Porque todo homem provêm do primeiro criado, e portanto são julgados primeiramente aqui por seu filho, e na segunda vinda eles serão julgados pelas doze tribos de Israel, para que eu também possa ver como eles são julgados. Então Miguel tomou Abraão em uma nuvem, e o levou para o Paraíso, e quando chegou a um lugar onde estava o juiz, um anjo chegou e entregou aquela alma aos juiz. E a alma disse, Senhor tenha piedade de mim. E o juiz respondeu, com terei misericórdia de ti quando não tiveste de tua filha, o fruto de teu ventre? E a mataste? Ela respondeu, na verdade, Senhor, não fui eu quem a matou, pois minha filha mentiu acerca de mim. Mas o juiz ordenou que trouxessem os livros onde estavam os relatos, e surgiu um querubim com dois livros. E havia com ele um homem de grande estatura, que tinha em suas mão três coroas, e uma delas era maior que as outras duas. Estas se chamam coroas do testemunho. E o homem tinha consigo uma pena dourada, e o juiz lhe disse, apresentai os pecados desta alma. E aquele homem ao abrir um dos livros do querubim, procurou pelos pecados daquela mulher e os encontrou. E o juiz disse, ó alma maldita, porque disseste que não eras a assassina? Após a morte de teu marido foste e cometeste adultério com o marido de tua filha, e a mataste? E ele a condenou por todos os outros pecados ao quais ela tinha cometido deste sua juventude. Ao ouvir isto a mulher clamou, dizendo, ai de mim, todos os meus pecados que eu cometera no mundo eu esqueci, mas eles não foram esquecidos. Então eles a tomaram e a levaram para que fosse entregue aos atormentadores.

Capítulo 21

E Abraão disse a Miguel, Senhor, quem é este juiz, e quem é o outro, que condena os pecados? E Miguel disse a Abraão, vês aquele juiz? Este é Abel, que testifica primeiro, e Deus o trouxe para o juiz, e aquele que dá testemunho aqui é o mestre do céu e da terra, e que escreve as justiças, Enoque, porque o Senhor os envia para lá para escrever os pecados e justiças de cada um. Abraão disse, e como pode Enoque dar testemunho do peso das almas, não tendo visto a morte? Ou como pode sentenças a todas as almas? Miguel disse, não lhe é permitido sentenciar as almas; contudo Enoque não sentencia, mas o Senhor é quem o faz, e ele não faz mais do que escrever. Porque Enoque orou ao Senhor dizendo, eu não tenho esse desejo, Senhor, o de sentenciar às almas, para que não seja pesado à uma delas; e o Senhor disse a Enoque, quero que tu escrevas os pecados daquela alma que faz expiação e cada criatura. Mas na terceira vez ela será julgada pelo Senhor Deus de todos, e então, na verdade, o fim deste julgamento está próximo, e a terrível sentença, e não há como escapar. E agora pelos três tribunais o julgamento do mundo e a recompensa são feitos, e por esta razão uma questão não é finalmente confirmada por uma ou duas testemunhas, mas por três é que devem ser estabelecidas. Os dois anjos da direita e da esquerda, são aqueles que escrevem os pecados e as justiças, o da direita escreve as justiças e o da esquerda os pecados. O anjo semelhante ao sol, que sustenta a balança é o arcanjo, Dokiel o que pesa justamente as justiças e os pecados com a justiça de Deus. O anjo de fogo e impiedoso, que sustenta o fogo consigo, é o arcanjo Puruel, que em poder sobre o fogo, e prova as obras dos homens através do fogo, e se o fogo consome a obra de algum homem, o anjo do julgamento imediatamente o prende e o leva ao lugar dos pecadores, um lugar de punição amaríssimo. Contudo, se o fogo aprovar a obra e alguém, e não o prenderem, este homem está justificado e o anjo da justiça o toma e o leva para ser salvo com a sorte do justo. E assim, justíssimo Abraão, todas as coisas em todos os homens são provadas pelo fogo e pela balança.

Capítulo 22

E Abraão disse ao príncipe, meu Senhor, a alma que o anjo mantém consigo, porque se decidiu que ela ficasse no meio? O príncipe respondeu, ouça, justo Abraão. O juiz encontrou igualdade entre seus pecados suas justiças, e ele nem a condenou nem a salvou, até que juiz supremo apareça. Abraão disse ao príncipe, e o que se espera para que esta alma seja salva? O príncipe disse, se ele tiver uma justiça a mais que seus pecados, ela entrará na salvação. Abraão disse ao príncipe, venha cá, príncipe Miguel façamos uma oração para esta alma, e vejamos se Deus na ouvirá. O príncipe disse, Amém seja assim; e eles fizeram uma oração pela entrada da alma no Paraíso, e Deus os ouviu, e quando se levantaram de sua oração não viram mais a alma no lugar onde estava e Abraão disse ao anjo, onde está a alma que tu tinhas em suas mãos'. E o anjo respondeu, ela foi salva por tu oração, e um anjo de luz a tomou e a levou para Paraíso. Abraão disse, graça dou ao nome de Deus, o Altíssimo, e sua incomensurável misericórdia. E Abraão disse a, príncipe, rogo-te, arcanjo, ouça minha petição, e invoquemos a Senhor, e supliquemos sua compaixão, e imploremos sua misericórdia pelas almas dos pecadores que eu há pouco, em minha fúria, amaldiçoei e destruí, e que a terra devorou, que as feras selvagens despedaçaram, e o fogo consumiu através de minhas palavras Agora sei que pequei diante do Senhor nosso Deus. Venha portanto, ó Miguel, príncipe de exércitos o céu, venha, invoquemos a Deus com lágrimas para que ele possa perdoar meus pecados, e me conceda o que peço. E o príncipe o ouviu, e eles fizeram súplicas diante do Senhor, e quando e quando invocaram por um longo tempo, surgiu uma voz do céu dizendo, Abraão, Abraão, eu tenho ouvido tua voz e tua oração, e perdôo o teu pecado, e aqueles a quem tu pensaste ter destruído e os chamei e os trouxe para a vida por minha extrema bondade, por esta razão eu os recompensei no juízo, e àqueles a quem eu destruí na terra, eu não recompensarei a morte.

Capítulo 23

E a voz do Senhor disse também ao príncipe Miguel, Miguel, meu servo, leve Abraão de volta para sua casa, porque eis que seu fim está próximo, e a medida de sua vida se deu, e para que ele possa pôr todas as suas coisas em ordem, e assim o tome e o traga até mim. Assim o príncipe, fazendo a conversão da carruagem e da nuvem, levou Abraão para sua casa, e ao entrar em sua casa assentou-se em sua cama. E Sara, sua esposa, veio e abraçou aos pés do Incorpóreo, e falou humildemente, dizendo, graças te dou, meu Senhor, pois trouxeste de volta ao meu Senhor Abraão, pois que pesávamos tê-lo tomado de nós. E seu filho Isaac também veio e o abraçou, e do mesmo modo fizeram também todos os servos e servas que estavam ao redor de Abraão abraçando-o e glorificando a Deus. E o Incorpóreo lhe disse, ouça, justo Abraão. Contemple tua esposa Sara, contemple também teu amado filho Isaac, contemple todos os teus servos e servas ao redor de ti. Disponha-se de tudo que tu tens, pois o dia no qual tu deves deixar este corpo e irdes para o Senhor de uma vez por todas chegou. Mas Abraão disse, o Senhor o disse, ou dizes de ti mesmo? O príncipe respondeu, ouça, justo Abraão, o Senhor foi quem ordenou, e eu pão a ti. E Abraão disse, eu não irei contigo. O príncipe, ao ouvir estas palavras, imediatamente saiu da presença de Abraão, e foi para os céus, ficando diante do Deus Altíssimo, e disse, Senhor Onipotente, eis que dei ouvidos a teu amigo Abraão em tudo o que ele disse, e cumpri seus desejos. Mostrei-lhe teu poder, e toda a terra e o mar que estão debaixo do céu. Mostrei-lhe o juízo e a recompensa levando-o através de uma carruagem e numa nuvem, e novamente ele diz, não irei contigo. E o Altíssimo disse ao anjo, meu amigo Abraão diz novamente, eu não irei contigo? E o arcanjo disse, Senhor Onipotente, assim ele diz, e eu não quis tocá-lo, pois desde o início ele é eu amigo, e tem feito tudo o que Te é agradável à vista. E que não há homem como ele sobre a terra, nem mesmo o admirável Jó, e portanto eu não quis tocá-lo. Portanto, ó Rei Imortal, que devo fazer.

Capítulo 24

Então o Altíssimo disse, chamai-me a Morte que é chamada a de aspecto desavergonhado e de olhar impiedoso. E Miguel o Incorpóreo foi e disse à Morte, venha cá; o Senhor da criação, o rei imortal, chama-te. E a Morte, ouvindo isto, temeu e tremeu, ficando possuída de grande terror, e vindo com grande medo ficou diante do pai invisível, tremendo, gemendo e se arrepiando, aguardava a ordem do Senhor. Entretanto o Deus invisível lhe disse, venha cá, amargo e feroz nome do mundo, oculte tua ferocidade, cubra tua corrupção, despoja-te de tua amargura, e ponha tua beleza e toda tua glória, e desça a Abraão meu amigo, e o tome e o traga a mim. Contudo, não o amedronte, mas traga-o com palavras suaves, porque é meu amigo. Ao ouvir estas coisas, a Morte saiu da presença do Altíssimo, e vestiu-se de uma roupa muito brilhante, e fez sua aparição como a o sol, e tornou-se mais formosa e bela que os filhos dos homens, assumindo a forma de um arcanjo, tendo sua face resplandecente como o fogo, e foi até Abraão. O justo Abraão saiu de seu quarto e assentou-se sob as árvores de Mamre, segurando seu cajado em sua mão, e aguardando a vinda do arcanjo Miguel. E então, sentiu um suave aroma, e viu raio de luz, e Abraão virou-se e viu a Morte vindo em sua direção em grande glória e beleza, e Abraão se levantou e foi ao seu encontro, imaginando que fosse o príncipe de Deus, e a Morte o vendo o saudou, dizendo, Regozijai, precioso Abraão, alma justa, verdadeiro amigo do Deus Altíssimo, e companheiro dos santos anjos.

Capítulo 25

Mas enquanto o dia da Morte de Abraão se aproximava, o Senhor Deus disse a Miguel, a Morte não ousará se aproximar e tomar a alma de meu servo, pois ele é meu amigo, então vá e adornou a Morte com grande beleza, e a envie a Abraão, para que ele possa vê-la com seus próprios olhos. E Miguel imediatamente, após ser comissionado, adornou a Morte com grande beleza, e a enviou a Abraão para que ele a pudesse ver. E ela assentou-se próximo a Abraão, e Abraão vendo-a próximo de si teve extremo receio. E a Morte lhe disse, Salve, alma santa! salve, amigo do Senhor Deus! salve, consolação e acolhimento dos viajantes! E Abraão disse, és bem-vindo, servo do Deus Altíssimo. Rogo-te, diga-me quem és; e entre em minha casa para participar da comida e da bebida até partires, pois desde que o vi assentado perto de mim minha alma ficou perturbada. Pois eu não sou digno de virdes a mim, pois tu és um espírito exaltado e eu sou carne e sangue, e portanto não posso sustentara a tua glória, pois vejo bem que tua beleza não é deste mundo. E a Morte disse a Abraão, digo-te que em toda criação que Deus fez, não há quem se encontre como a ti, pois até mesmo o próprio Senhor ao procurar não encontrou um assim sobre toda a terra. E Abraão disse à Morte, como podes mentir? Pois eu vejo que tua aparência e forma são como as do sol, gloriosíssimo ajudante, portador da luz, homem admirável, de onde provêm tua glória, e quem és tu, e de onde vens? Então a Morte disse, justíssimo Abraão, eis que te digo a verdade. Eu sou a amarga sorte da Morte. Abraão lhe disse, sim, mas tu és a graciosidade do mundo, és a glória e a beleza dos anjos e homens, és mais formoso na forma que qualquer outro, e dizes, sou a amarga sorte da Morte, e não, sou a mais formosa de todas as coisas. A Morte disse, eu te direi a verdade. Ao que o Senhor me nomeou, isto também e direi. Abraão disse, por que motivo tu vens para cá? E a Morte disse, vim por tua santa alma. Então Abraão disse, sei o que queres dizer, mas não irei contigo; e a Morte ficou em silêncio.

Capítulo 26

Então Abraão se levantou, e foi para sua casa, e a Morte o acompanhou para lá. E Abraão foi para seu quarto, e Morte o seguiu. E Abraão deitou-se em sua cama, e a Morte foi e assentou-se a seus pés. Então Abraão disse, vá daqui, deixe-me, pois quero descansar em minha cama. Mas a Morte disse, não irei até que tenha tomado teu espírito de ti. E Abraão lhe disse, eu ordeno-te pelo Deus imortal a me dizeres a verdade. Es tu a Morte? A Morte lhe disse, sim. Sou o destruidor do mundo. E Abraão disse, rogo-te, já que és a Morte, diga-me se tu apareces assim a todos com tamanha formosura e beleza? E a Morte disse, na verdade, meu Senhor Abraão, por causa de tua justiça, ilimitada hospitalidade e pela grandeza de teu amor para com Deus te tornaste uma coroa sobre minha cabeça, e em beleza, grande paz e gentileza me aproximei do justo, mas dos pecadores me aproximo com grande corrupção e ferocidade e amargura com aparência feroz e impiedosa. E Abraão disse, rogo-te, dê-me ouvidos, e mostre-me tua ferocidade e toda a tua corrupção e amargura. E a Morte disse, não podes contemplar minha ferocidade, justíssimo Abraão. E Abraão disse, sim, serei capaz de contemplar tua ferocidade através do nome do Deus vivo, porque o poder do meu Deus que está no céu está comigo. Então a Morte retirou toda sua graciosidade e beleza, e toda a sua glória e a forma semelhante ao sol com a qual se revestira, e pôs sobre si a vestimenta de um tirano, e fez sua aparição de modo mais feroz que qualquer tipo de fera selvagem, e mais impura do que qualquer impureza. E mostrou a Abraão que a sua beleza não era deste mundo. E a Morte disse a Abraão, não penses, Abraão, que esta beleza é minha, ou que venho assim a todo homem. Na verdade, se alguém é justo como a ti, tomo a coroa e vou até ele, mas se é um pecador vou com grande corrupção, e do seu pecado faço para mim uma coroa para minha cabeça, e o estremeço com grande terror, de maneira que eles desmaiam. Abraão no entanto lhe disse, e de onde vem tua beleza? E a Morte disse, não há outro mais cheio de corrupção do que eu. E Abraão lhe disse, verdadeiramente és aquele que é chamado Morte? E ele lhe respondeu dizendo, eu sou o nome amargo...

Capítulo 27

E Abraão disse à Morte, mostre-me tua corrupção. E a Morte manifestou uma corrupção; e ele tinha duas cabeças, uma como de serpente e por ela alguns morrem como por áspides, e a outra era como uma espada; por elas alguns morrem como pela espada. Depois apareceu com uma serpente de quatorze cabeças, uma de fogo e grandemente feroz, uma outra face de escuridão, outra de víbora, uma de terrível precipício, uma mais feroz que uma áspide, uma de um terrível leão, uma de basilisco. Ele também mostrou uma face de uma feroz cimitarra, outra de uma espada afiada, uma de raio que relampeja terrivelmente e provoca um trovão estremecedor. Ele mostrou-lhe também uma face de um mar em fúria e de um rio de grande correnteza, e uma terrível serpente de três cabeças, e um copo com uma mistura venenosa, e em resumo ele mostrou-lhe grande ferocidade e amargura intolerável, e toda doença mortal que tem o odor da Morte. E pela causa da grande amargura ferocidade morreram sete mil servos, e o justo Abraão sentiu a indiferença da Morte de maneira que seu espírito desfaleceu.

Capítulo 28

E o santo Abraão, vendo estas coisas desse modo, disse à Morte, rogo-te, ó Morte que tudo destrói, oculte tua ferocidade, e revista-se de tua beleza e da forma com a qual estava antes. E imediatamente a Morte ocultou sua ferocidade, e revestiu-se de sua beleza anterior. E Abraão disse à Morte porque fizeste isto, para que mataste meus servos e servas? Acaso Deus te enviou de lá com esta finalidade? E a Morte disse, na verdade, meu Senhor Abraão, não é como tu dizes mas por tua causa é que fui enviado para cá. Abraão disse à Morte, porque então estes morreram? O Senhor não falou E a Morte disse, crês, justíssimo Abraão, que isto também é maravilhoso, que tu não foste tomado com eles contudo, digo te a verdade, porque se aquele que está à direita de Deus não fosse contigo tu terias ido naquela vez, tu também teria partido desta vida. O justo Abraão disse, agora compreendo a indiferença da Morte, da maneira que meu espírito desfaleça, mas rogo-te, ó Morte que a tudo destróis, visto que meus servos morreram antes do tempo, oremos ao Senhor nosso Deus para que ele nos ouça e ressuscite aqueles que morreram por tua ferocidade antes do tempo determinado. E Morte disse, Amém, assim seja. Então Abraão caiu com a face no chão e a oração, e a Morte juntamente com ele, e o Senhor enviou um espírito de vida sobre aqueles que estavam mortos e eles reviveram novamente. Então o justo Abraão deu glória a Deus.

Capítulo 29

Naquele dia os servos de Abraão morreram por causa do terror da Morte, e Abraão vendo-os orou ao Senhor, e os ressuscitou. E Abraão foi para seu quarto e a Morte o seguiu, e ele disse: vá, sai daqui pois quero descansar, porque tinha visto a indiferença da morte. E a Morte disse, não irei até que tome tua alma. E Abraão com aspecto severo e olhar furioso lhe disse, quem te deu esta ordem? Tu dizes estas palavras por seu próprio orgulho, e não irei contigo até que o príncipe Miguel retorne, e eu irei com ele. Contudo, se tu desejas que eu te acompanhe, explique-me todas estas tuas mudanças, as sete cabeças ferozes, serpentes e o que significa a face de precipício, e a espada e o rio caudaloso, e o que significa a tempestade marinha que se arroja ferozmente. Ensine-me também sobre o trovão intolerável, e sobre o raio terrível, e mau cheiro do copo de veneno. Ensine-me sobre todas estas coisas. E a Morte respondeu, ouça, justo Abraão. Por sete eras eu destruí o mundo e levei todos para o Hades, reis e regentes, ricos e pobres, escravos e livres, os levei ao profundo Hades, e por isso mostrei-te sete cabeças de serpentes. A face de fogo mostrei-te por causa dos muitos que são consumidos pelo fogo. A face do precipício, é por causa dos muitos homens que morreram ao descer dos topos das árvores ou que caíram em terríveis precipícios e perderam suas vidas, e viram a Morte na forma e um terrível precipício. A face da espada é pelos muitos que morreram em guerras através da espada, e vêem a Morte como uma espada. A face do grande rio furioso é pelos que pereceram ao cruzar as águas e foram levados por elas, e viram a Morte antes de seu tempo. A face de mar furioso é pelo que caíram no mar e se tornaram náufragos e foram engolidos por ele e viram a Morte como o mar. O trovão intolerável e o terrível raio é pelos que no momento de ira encontraram-se com o trovão e com o raio para prender aos homens, e assim vêem a Morte. Mostrei-te também os venenosos animais selvagens, áspides e basiliscos, leopardos e leões, ursos e víboras, em resumo a face de toda fera selvagem que eu te mostrei, ó justo, é pelos muitos que são destruídos por feras selvagens, e outros por cobras venenosas que retiram a vida e fazem morrer. Também te mostrei os destruidores copos de veneno porque muitos homens são envenenados por outro e deixam esta vida inesperadamente.

Capítulo 30

Abraão disse, rogo-te, existe uma morte inesperada? Diga-me. E a Morte disse, verdadeiramente digo-te que existe setenta e dois tipos e morte. Uma é a morte justa, paga no tempo determinado, e muitos homens em uma hora entram na Morte sendo lançados no túmulo. E agora contei-te tudo que me perguntaste, e digo-te, justo Abraão, desiste de todo conselho, e pare de perguntar sobre tudo, e venha comigo, como o Deus e juiz de todas as coisas me ordenou. Abraão disse à Morte, saia daqui um pouco para que eu descanse em minha cama, pois estou muito aflito no coração, pois desde que eu e vi meus olhos e minha força se desvaneceram, e todo o meu corpo parece ter ficado pesado a mim, e meu espírito está extremamente angustiado. Deixe-me um pouco; pois já disse não poder suportar tua forma. Então Isaac seu filho veio chorando e caiu sobre seu peito, e sua esposa Sara veio e abraçou a seus pés, lamentando amargamente. Também seus servos e servas se aproximaram e rodearam sua cama e lamentavam grandemente. E Abraão caiu na indiferença da Morte, e a Morte disse a Abraão, venha tome, minha mão, para que a força volte a ti. Então a Morte enganou Abraão, e he tomou sua mão, e imediatamente sua alma se prendeu à ela. E imediatamente o arcanjo Miguel veio com uma multidão de anjo se tomaram sua preciosa alma e a revestiram com linho, e embalsamaram o corpo do justo Abraão óleos e perfumes divinos até o terceiro dia após sua morte, e o enterraram no lugar da promessa junto o carvalho de Mamre, mas os anjos receberam sua preciosa alma, e subiu ao céu, cantando o hino do "três vezes santo" ao Senhor Deus de tudo, e eles o colocaram para adorar ao Deus e Pai. E depois de grane louvor e glória foi dado ao Senhor, e Abraão abaixou-se para adorar, e surgiu a imaculada voz do Deus e Pai dizendo assim, levem meu amigo Abraão para o Paraíso, onde estão o tabernáculos de meus justos, e as moradas dos meus santos Isaac e Jacó, onde não há preocupações, nem angústia, nem suspiros, mas paz e regozijo e vida sem fim. (E que meus amados irmãos, imitem a hospitalidade do patriarca Abraão, e alcance a sua virtuosa maneira de viver, para que possam ser achados dignos da vida eterna, glorificando o Pai, o Filho e o Espírito Santo; a quem seja a glória e poder para sempre. Amém.) Mas Deus retornou e removeu a alma de Abraão como em um sonho, e o arcanjo Miguel o tomou e o levou para os céus. E Isaac enterrou seu pai ao lado de sua mãe Sara, glorificando e louvando Deus, porque a ele é devido a glória a honra e a adoração, do Pai, do Filho e do Espírito Santo, agora e sempre e por toda e a eternidade. Amém. Fim

Testamento de Nephtali Segundo a crônica hebraica de Jerchmeel

Evangelhos Apócrifos

Testamento de Nephtali

Segundo a crônica hebraica de Jerchmeel

Capítulo 1

1 Esta é a última vontade de Nephtali, filho de Jacó. Ultima vontade de Nephtali, filho de Jacó, que foi dado àquela escrava de Rachel, Bilha, "batalha de Deus". Quando Nephtali tomou-se um ancião, chegando bem conservado a uma bela idade, andando porém curvado há bastante tempo, decidiu dar algumas recomendações aos filhos. Disse-lhes: "Aproximai-vos, queridos filhos! Escutai as exortações do vosso pai!" Falaram-lhe eles: "Estamos preparados para ouvir, e desejamos cumprir tudo segundo nos ordenas".

2 Falou-lhes ele então: "Nenhuma recomendação vos faço em relação à minha prata, ao meu ouro ou a qualquer outro bem que debaixo deste sol vos deixo. E nada vos ordeno de tão difícil, que não possais cumprir. Ao contrário, ordeno-vos algo muito fácil, ao vosso perfeito alcance". Com isso, pela segunda vez retrucaram-lhe os seus filhos: "Fala, querido pai! Estamos prontos a ouvir".

3 Ele falou-lhes: "Nada mais vos recomendo a não ser o temor do Senhor. Servi-O! Aderi a Ele!" Então disseram-lhe eles: "Em que medida Ele necessita do nosso serviço?" Respondeu-lhes: "Ele mesmo não necessita de criatura alguma; mas sim as criaturas do seu mundo d'Ele necessitam. Ele não criou o seu mundo em vão. Suas criaturas devem temê-lO, e ninguém faça ao seu próximo o que não deseja que façam a si mesmo!"

4 Então disseram-lhe eles: "O querido pai! Por acaso observaste que alguma vez nós nos afastamos dos teus caminhos, ou dos caminhos dos nossos ancestrais?" Respondeu-lhes: "O Senhor e eu somos testemunhas de que é tal como dizeis. Mas eu temo pelo futuro. Podereis desencaminhar-vos, seguindo os ídolos de povos estranhos, comportando-vos segundo as sentenças dos pagão se unindo-vos aos filhos de José, em vez de aos filhos de Levi e Judá".

5 Disseram-lhe eles então: "Que tens em mente, pai, ao fazer-nos tal exortação?" Respondeu-lhes: "Eu sei que os filhos de José afastar-se-ão do Senhor, o Deus dos seus Pais, induzindo com isso os filhos de Israel ao pecado. Serão eles os culpados por os filhos de Israel abandonarem a sua boa terra para irem viver no estrangeiro. Nós também, por causa dele, tivemos outrora de emigrar e servir como escravos no Egito.

Capítulo 2

1 "Desejo agora falar-vos da visão que tive na minha cabana de pastor. Eu vi, sim. Éramos doze irmãos que pastoreávamos no campo. Chegou então nosso pai para junto de nós e exclamou: 'Correi, meus filhos! Agarre cada um o que puder agarrar!' Nós porém lhe retrucamos: `Mas que devemos agarrar? Não vemos nada a não ser o sol, a lua e as estrelas'.

2 "Devolveu-nos ele: 'Agarrai-os!' Ao ouvir isso, Levi tomou de um bastão em suas mãos, saltou sobre o sol, assentou-se sobre ele e cavalgou-o. Judá, ao vê-lo, fez o mesmo. Tomou de um bastão, saltou sobre a lua e cavalgou-a.

3 "Assim procederam todas as outras estirpes. Cada uma montou sobre sua estrela e seu planeta no céu. Apenas José sobrou sozinho sobre a terra. Então nosso pai Jacó perguntou-lhe: `Por que, meu filho, não fizeste como os teus irmãos?' Ao que ele respondeu: `Meu pai! O que tem a fazer no céu o nascido de mulher? Eles deverão finalmente assumir o seu lugar na terra'.

Capítulo 3

1 "Enquanto José ainda assim falava, apareceu ao seu lado um touro gigantesco. Possuía grandes asas, semelhantes às da cegonha, e seus chifres erguiam-se ao alto, como os chifres de um boi bravio. Jacó disse-lhe: `Vamos, José! Sobe! Cavalga-o, meu filho!' Então José atirou-se sobre o touro. Em seguida, nosso pai Jacó afastou-se de nós.

2 "E José imperou por quatro horas sobre o touro, que ora caminhava a passo, ora corcoveava. Depois voou com ele para o alto, até chegar às proximidades de Judá. Então José, empunhando a bandeira em sua mão, bateu em seu irmão Judá. Perguntou-lhe então Judá: `Por que me bates, meu irmão?' Respondeu-lhe: `Estão em tuas mãos doze cetros; e eu tenho apenas um. Dá-me agora dez deles! Pois então haverá paz!'

3 "Mas Judá recusou-se a entregar-lhes. Então José bateu nele, até tomar-lhe à força os dez cetros; nas mãos de Judá ficaram apenas dois. Em seguida, José perguntou aos dez irmãos: 'Por que seguis Judá e Levi? Abandonai-os e segui a mim!' Ao ouvirem isso, os irmãos de José unanimemente abandonaram Levi e Judá, para acompanharem José. Com Judá permaneceram apenas Benjamim e Levi. Ao perceber isso, Levi desceu do sol, com grande apreensão.

4 "E José falou ao seu irmão Benjamim: 'Ah, caro irmão Benjamim! Por acaso não és tu plenamente meu irmão? Então, vem tu também comigo!' Contudo, Benjamim recusou-se a acompanhar seu irmão José. Ao anoitecer, sobreveio uma grande tempestade, e esta separou completamente José dos seus irmãos, de tal sorte que nem dois deles ficaram juntos. Ao ter eu presenciado aquela visão, relatei-a ao meu pai Jacó. Este então disse-me: 'Meu filho! Isso foi um sonho sem importância; e ele não se repetirá'.

Capítulo 4

1 "Passado pouco tempo, outra visão foi-me revelada. Estávamos todos junto ao grande mar, com o nosso pai Jacó. E no meio do mar circulava um navio, sem piloto ou comandante. Então nosso pai perguntou-nos: 'Estais vendo o que eu vejo?' Respondemos: 'Sim'. Retrucou-nos então: 'Fazei o que me virdes fazer!' Em seguida, nosso pai tirou suas roupas e atirou-se ao mar; nós todos procedemos como ele. Levi e Judá porém levaram dianteira sobre todos os outros e saltaram para o navio, com Jacó.

2 "Dentro do navio encontravam-se todos os bens deste mundo. Então o nosso pai Jacó disse a nós: 'Olhai o que está escrito no mastro! Não há nenhum navio que não tenha inscrito no seu mastro o nome do seu dono'. Levi e Judá então observaram atentamente e perceberam que havia a seguinte inscrição: 'Este navio, com todos os bens nele contidos, pertence ao filho de Barakel'.

3 "Ao ouvir isso, nosso pai alegrou-se grandemente, inclinou-se e deu graças a Deus. E disse: `Não foi suficiente ter-me Ele abençoado sobre a terra; abençoa-me agora também sobre o mar'. Logo a seguir, falou a nós todos: `Agarrai, meus filhos, o que cada um puder pegar, será dele!' Levi imediata-mente saltou sobre o grande mastro do navio e assentou-se. E Judá, em segundo lugar, saltou sobre o segundo mastro, que se situava perto do mastro de Levi, e igualmente assentou-se sobre ele. Cada um dos meus outros irmãos empunhou o seu remo, e nosso pai Jacó tomou em suas mãos os dois remos-leme, dirigindo assim o navio.

4 "Somente José ficou sobrando. Disse-lhe então nosso pai: 'Meu filho! Meu José! Empunha tu também o teu remo!' Mas José recusou-se. Ao ver meu pai que José não pegava o seu remo, disse-lhe: 'Vem cá, meu filho! Toma um dos remos-leme que seguro em minhas mãos, e conduze assim o navio! Possam teus irmãos inclinar-se sobre os remos, até que todos chegueis em terra firme!' Então instruiu a cada um de nós, dizendo-nos: 'Assim deveis conduzir o navio agora! Não tenhais medo das ondas do mar, tremendo ao rugir da tempestade ao vosso redor!'

Capítulo 5

1 "Depois de assim ter-nos advertido, desapareceu da nossa presença. Nesse momento, José empunhou os dois remos-leme, um com a mão direita, outro com a mão esquerda; e meus demais irmãos remavam. Assim o navio seguia e navegava sobre as águas.

2 "E sobre os dois mastros em que se assentavam, Levi e Judá observavam o rumo que o navio devia seguir. Pelo tempo em que durava o entendimento entre José e Judá, este instruindo José sobre o caminho a seguir, e este dirigindo nessa direção, o navio navegava em segurança, sem bater em escolhos.

3 "Passado algum tempo, todavia, ocorreu uma desavença entre José e Judá. E José deixou de conduzir o navio segundo as recomendações do nosso pai e segundo as instruções de Judá. Então a nave começou a ziguezaguear em todas as direções, até ser finalmente arremessada pelas ondas contra os recifes, despedaçando-se.

Capítulo 6

1 "Levi e Judá desceram dos mastros, buscando salvar-se. Também nós, os outros irmãos, salvamo-nos todos na praia. Em seguida, chegou o nosso pai Jacó e encontrou-nos todos desgarrados, cada um para o seu lado. Falou-nos: 'Que aconteceu convosco, meus filhos? Com certeza não conduzistes o navio da forma como era preciso, segundo vos ordenei'.

2 "Dissemos-lhe: 'Pela vida dos teus servos! De forma alguma nós nos afastamos das tuas ordens. A culpa toda cabe a José; não pilotou o navio segundo as tuas instruções e segundo a orientação de Judá e Levi. Ele tinha ciúmes deles'. Perguntou-nos ele então: 'Mostrai-me onde está o navio!' Viu então que apenas eram visíveis os mastros da nave que afundava. Em seguida meu pai assoviou e nós todos reunimo-nos em tomo dele.

3 "Ele então arremessou-se ao mar, como da primeira vez, e trouxe o navio de volta e repreendeu José, com as seguintes palavras: 'Meu filho! Não sejas tão insidioso! Não sejas tão invejoso de teus irmãos! Por pouco todos eles teriam perecido, por tua causa'.

Capítulo 7

1 "Narrei esta visão ao meu pai. Ele juntou suas mãos, suspirando, enquanto lágrimas se derramavam dos seus olhos. Aguardei por longo tempo; ele porém não me disse palavra. Tomei então a mão do meu pai, acariciando-a e beijando-a, e disse-lhe: 'O tu, servo do Senhor! Por que vertem lágrimas os teus olhos?'

2 "Falou-me: 'Meu filho! Fico abalado porque uma vez mais tiveste esta visão, e tenho arrepios por causa do meu filho José. De fato, eu o amava mais do que a vós todos. Todavia, por causa da sua perversidade, sereis arrastados ao cativeiro e dispersados no meio de povos pagãos. A tua primeira e a tua segunda visão significam ambas a mesma coisa; trata-se de uma única visão. Por isso ordeno-vos, meus filhos, que não vos junteis nunca aos filhos de José, mas tão-somente aos filhos de Levi e Judá'.

Capítulo 8

1 "Anuncio-vos ainda: Ser-me-á destinada a parte mais bela do centro da terra; lá podereis comer e saciar-vos das delícias dos seus frutos. Admoesto-vos, porém, para não decairdes, na vossa felicidade, para não vos tornardes renitentes, para não contestardes os Mandamentos do Senhor, Ele que vos alimenta com os dons da sua terra.

2 "Não esqueçais o Senhor, vosso Deus, Deus dos vossos Pais, o Deus que foi escolhido por nosso pai Abraão, quando nos dias de Peleg as gerações se separaram. Pois outrora, o Senhor desceu do seu céu altíssimo e trouxe consigo setenta Anjos servidores, comandados por Miguel. Ordenou-lhes que ensinassem setenta línguas, exatamente aos setenta povos que se originaram das coxas de Noé. Os Anjos desceram imediatamente e cumpriram as ordens do Criador. A língua sagrada, todavia, o hebraico, permaneceu exclusivamente na casa de Sem e Heber, bem como na casa do nosso pai Abraão, retendo-a como a língua ancestral.

Capítulo 9

1 "Naquele dia, Miguel transmitiu uma mensagem do Santo, dizendo a todos aqueles setenta povos: 'Conheceis a apostasia por vós cometida, bem como as traições perante o Senhor do céu e da terra. Por isso, escolhei agora! A quem desejais servir? Quem deverá ser o vosso Patrono nas alturas do céu?'

2 "Falou então o iníquo Nirnrod: 'Para mim não há nenhum outro maior do que o mestre meu e do meu povo, que numa hora ensinou-nos a língua cuchita'. Da mesma forma falaram também Put, Misraim, Tubal, Javan, Mesek e Tiras; e cada povo escolheu o seu Anjo. Mas nenhum deles mencionou o nome do Santo.

3 "Miguel dirigiu-se em seguida ao nosso pai Abraão: 'A quem escolhes, Abraão? A quem desejas servir?' Respondeu Abraão: 'A nenhum outro escolho e adoto a não ser Aquele que pronunciou uma palavra, e o mundo foi criado. Unicamente Aquele que me plasmou no ventre de minha mãe, corpo dentro de outro corpo, e que colocou em mim espírito e alma. A Esse eu escolho. A Ele desejo aderir, tanto eu quanto todos os meus, por toda a eternidade'.

Capítulo 10

1 "Dessa forma, o Altíssimo dividiu as nações, distribuindo a cada povo o que lhe cabia. Desde aquele tempo, todos os povos da terra separaram-se do Senhor. Somente a casa de Abraão permaneceu junto ao seu Criador, servindo-O; assim também o fizeram depois Isaac e Jacó. Por isso, advirto-vos, meus filhos. Não apostateis! A nenhum outro.

Deus sirvais, a não ser o Deus que foi escolhido por vossos Pais!

2 "Pois tendes perfeito conhecimento de que nenhum outro se Lhe compara. Nenhum outro pode fazer, como Ele fez, as obras do céu e da terra. Nenhum outro pode operar tais maravilhas, que são a prova do Seu poder. Podeis ver na criação do homem uma amostra do Seu imenso poder. Quão grandes maravilhas nele estão reunidas!

3 "Foi criado por Ele, da cabeça aos pés. Com seus ouvidos escuta; com seus olhos vê; com seu cérebro pensa; com seu nariz cheira; com seus canais respiratórios produz sons; com sua goela ingere comida e bebida; com sua língua fala; com sua boca ensina; com suas mãos realiza trabalhos; com o seu entendimento medita; com o seu baço ri; com seu fígado irrita-se; com o seu estômago digere; com os seu pés anda. Os pulmões aí estão para respirar; com os seus rins ele se aconselha.

4 "E nenhum dos seus membros altera a sua função; cada um deles guarda o seu domínio. Portanto, convém que o homem considere Quem o criou, Quem o plasmou no corpo da mulher, a partir de uma gota malcheirosa, Quem o trouxe à luz do mundo, Quem lhe deu a luz dos olhos e a capacidade de andar com os seus pés, Quem o colocou ereto, firmando-o sobre as suas bases, Quem predispôs boas ações na sede do seu entendimento, Quem infundiu-lhe o alento da vida e um espírito puro, que d'Ele proveio.

5 "Feliz daquele que não corrompe o Espírito Santo de Deus, que por Este lhe foi infundido. Salve, se puder devolvê-lo tão puro ao seu Criador como no dia em que lho foi confiado!"

6 Foram estas as palavras de Nephtali, filho de Israel, outrora repassadas aos seus filhos. Foram mais doces ao paladar do que o mel de abelha. E assim. chega ao fim o último desejo de Nephtali, filho de Jacó. Fim

Testamento de Nephtali

Evangelhos Apócrifos

Testamento de Nephtali

Da Bondade

Capítulo 1

1 Transcrição do testamento emitido por Nephtali nos seus últimos dias, aos cento e trinta e dois anos de idade. No quarto dia do sétimo mês compareceram para junto dele os seus filhos; ele estava ainda são, e ofereceu-lhes uma refeição e um banquete, por suas próprias mãos. Ao levantar-se, na manhã seguinte, falou-lhes: "Eu vou morrer". Eles porém não acreditaram.

2 Mas ele louvara a Deus, repetidamente, porque, após aquele festim do dia anterior, iria morrer. E principiou assim a falar aos seus filhos: "Escutai, meus filhos, filhos de Nephtali! Ouvi as palavras do vosso pai! Eu sou filho de Baila. Pois Rachel, procedendo ardilosamente, entregou-a a Jacó ao invés dela mesma. Assim Balla me engendrou, em lugar do ventre de Rachel. Por isso fui chamado Nephtali.

3 "E Rachel me amava, porque eu nascera noutro ventre por sua vontade. Meu rosto era delicado; ela beijava-me, dizendo: `Eu gostaria de dar-te um irmão que se pareça contigo'. De fato, José foi semelhante a mim em todos os traços, de acordo com as súplicas de Rachel. Portanto, Baila é minha mãe: filha de Rotheu, um irmão de Deborah, aia de Rebecca. Ela viera ao mundo no mesmo dia em que nasceu Rachel.

4 "E Rotheu era da descendência de Abraão, um caldeu, temente a Deus, livre e nobre. Ele fora feito prisioneiro na guerra; depois Labão resgatou-o. Deu-lhe sua escrava Enna por mulher. Esta gerou-lhe uma filha que foi chamada de Zilpa, exatamente o nome daquela aldeia em que ele fora preso. Mais tarde, Enna gerou Balia, e disse: `Minha filha é ávida do que é novo; pois, mal apenas nascida, já começou a sugar avidamente'.

Capítulo 2

1 "Eu tinha pés ligeiros como um cervo, e o meu pai Jacó sempre me escolhia para levar qualquer recado, qualquer mensagem. Eu tinha também a sua bênção, por minha qualidade de cervo, pois, assim como o oleiro entende de vasos, quanto podem conter, qual a quantidade da argila necessária, assim também o Senhor faz o corpo à medida do espírito, e nele o derrama segundo a sua capacidade de contê-lo. Um corresponde ao outro, na exatidão que se aproxima da espessura de um terço de cabelo. Toda criatura é feita segundo medida, regra e peso.

2 "E assim como o oleiro conhece a serventia de cada vaso, assim também o Senhor conhece, em relação ao corpo, o quanto alcança no bem e quando começa a entrar no mal. Não há nenhum desejo e nenhuma intenção que não sejam do conhecimento do Senhor; Ele criou cada homem segundo a Sua imagem. Segundo a força do homem, assim também a sua obra; segundo o seu entendimento, assim o ato; segundo sua intenção, assim o comportamento; segundo o seu coração, assim a boca; segundo os seus olhos, assim o sono; segundo a sua alma, assim a palavra. Isso tanto na Lei do Senhor, quanto nas obras de Belial.

3 "Assim como há diferença entre a luz e as trevas, entre o ver e o ouvir, assim também existe diferença entre um homem e outro, entre uma mulher e outra. Não se pode dizer que um seja parecido com outro.

Deus, no seu ordenamento, fez tudo bem feito; na cabeça colocou os cinco sentidos. Deu à cabeça o pescoço; cabelos por adorno; um coração para pensar; um ventre para expelir; um estômago para digerir; canais de ar para a respiração; um fígado para a ira; uma bile para o amargor; um baço para o riso; rins para a sutileza; coxas para a força; pulmões para haurir o alento; e quadris para a energia e outras coisas mais.

4 "Portanto, meus filhos, fazei tudo com reta intenção e no temor de Deus, e nada façais na desordem, seja por futilidade, seja a exemplo! Pois, se disseres ao olho que escute, ele não conseguirá; da mesma forma, não podereis, na escuridão, praticar as obras da luz.

Capítulo 3

1 "Não vos dediqueis a corromper as vossas obras pela cobiça de possuir, nem enganeis vossa alma mediante palavras fúteis! Se ficardes em silêncio, na pureza de coração, havereis de entender o quanto é bom permanecer fiel à vontade de Deus e repelir a vontade do Demônio. O sol, a lua e as estrelas não alteram a sua ordem; da mesma forma, vós não deveis alterar a Lei divina, pela desordem dos vossos atos. Os pagãos, desencaminhados, abandonaram o Senhor e modificaram a sua ordem, obedeceram a pedras e a madeiras, seguindo os espíritos da sedução.

2 "Vós, porém, meus filhos, não vos comporteis assim! Pelo firmamento, pela terra, pelo mar e por todas as criaturas, podeis reconhecer o Senhor, que tudo criou. Do contrário, sereis semelhantes a Sodoma, na perversão da natureza. Da mesma forma, os Guardiões outrora subverteram a ordem da natureza. Por isto foram amaldiçoados por Deus pelo dilúvio, e por causa deles a terra ficou deserta de habitantes e de frutos.

Capítulo 4

1 "Isto eu digo, meus filhos, porque eu li nos livros do Enoque que vós também havereis de afastar-vos do Senhor, andar nos caminhos da impiedade dos pagãos, cometer todos os pecados de Sodoma. O Senhor vos mandará ao cativeiro. Lá devereis servir aos vossos inimigos, sereis mergulhados na opressão e na indigência, até serdes aniquilados pelo Senhor.

2 "E quando fordes reduzidos a um pequeno número, vos convertereis e reconhece-reis de novo o vosso Deus e Senhor; Ele vos de volverá uma vez mais à vossa terra, segundo a Sua grande clemência. Mas, uma vez de volta à terra dos vossos pais, novamente esquecer-vos-eis do Senhor, para andar nos caminhos da impiedade. Após isso, o Senhor vos dispersará por toda a terra, até o dia em que virá a sua Compaixão, um Homem que cumprirá a Justiça, perto e longe, e se mostrará misericordioso para com todos.

Capítulo 5

1 "Aos meus quarenta anos de idade, tive uma visão, pelo lado do Oriente, sobre o Monte das Oliveiras, em Jerusalém: lá estavam parados o sol e a lua. Então o pai do meu pai, Isaac, disse-nos: Correi! Cada um os agarre segundo suas forças! Os que deles se apossarem, possuirão o sol e a lua!'

2 "Assim, todos nós corremos na direção da montanha, e Levi agarrou o sol, e antes dele Judá agarrou a lua. Em seguida, ambos foram levados para o alto, com o sol e a lua. Sendo Levi como o próprio sol, um jovem entregou-lhe doze ramos de palmeira. E Judá brilhava como a lua; doze raios partiam dos seus pés.

3 "Então Levi e Judá correram um em direção do outro e abraçaram-se. E sobre a terra havia um touro de grandes chifres, tendo nos seus costados asas de águia. Quando eles quiseram agarrá-lo, não o conseguiram, pois José chegou primeiro, apoderou-se dele e foi com ele para as alturas. Eu vi isso, pois estava presente. Depois apareceu-nos uma escritura sagrada, que dizia: Assírios, medos, persas, elimeus, gelaseus, caldeus, bem como sírios, levarão as doze tribos de Israel ao cativeiro.

Capítulo 6

1 "E outra visão eu tive, após sete dias, onde vi o nosso pai Jacó em Jamnia, junto ao mar; nós estávamos com ele. Aproximou-se então um navio, velejando em nossa direção; não tinha nem piloto nem marinheiros. E trazia a seguinte inscrição: `O navio de Jacó'. Disse-nos pois o nosso pai: Vamos embarcar no nosso navio!

2 "Nós embarcamos. Veio então uma forte borrasca, seguida de grande tempestade. E nosso pai, que estava ao leme, abandonou-nos. E nós, como joguetes do temporal, éramos arremessados de cá para lá sobre o mar. O navio encheu-se de água, e pela força do embate das ondas, despedaçou-se.

3 "José evadiu-se num bote. Nós outros permaneceram sós, agarrados a nove pranchas. Levi e Judá estavam um ao lado do outro. Fomos dispersados até os mais distantes confins da terra. Então Levi cingiu-se com um saco e orou por todos nós ao Senhor. Com isso, a tempestade amainou e o navio chegou calmamente à terra. Nosso pai Jacó então veio a nós. Nós todos nos alegramos com isso.

Capítulo 7

1 "Relatei os dois sonhos ao meu pai. Ele disse-me: A seu tempo, isto se cumprirá, depois que Israel tiver passado por grandes sofrimentos. Falou-me depois o meu pai: Tenho fé que José esteja vivo; sempre vejo que o Senhor o conta dentre vós.

2 "E em prantos, exclamou: 'Tu vives, meu filho, meu José; eu porém não te vejo, e tu não vês a Jacó, teu pai'. Com estas palavras, ficamos comovidos até às lágrimas. Em meu coração, eu ardia de vontade de revelar abertamente que ele fora vendido. Mas tinha medo dos meus irmãos.

Capítulo 8

1 "Mostrei-vos os tempos últimos, meus filhos, da forma como tudo acontecerá em Israel. Recomendai, portanto, aos vossos filhos que permaneçam unidos a Levi e Judá. Por intermédio de Judá virá a Salvação para Israel, e nele Jacó será abençoado. Por meio da sua estirpe, Deus aparecerá sobre a terra, habitará entre os homens, para salvar a geração de Israel. Chamará para junto de si os justos de entre os pagãos.

2 "Praticai o bem, meus filhos, e então sereis abençoados pelos. "Assim, há um tempo para o coito marital e um tempo para a continência, para orar. Desta forma, o mandamento é duplo, e se não for cumprido segundo a ordem resulta em pecado para o homem. Assim também é em relação aos demais manda-mentos. Sede então sábios e prudentes diante de Deus! Ele conhece a ordem dos seus Mandamentos, as leis, os comportamentos; assim, o Senhor vos amará."

Capítulo 9

1 Muitas coisas mais ele frisou-lhes. Depois pediu-lhes que transportassem o seu corpo para o Hebron e o sepultassem junto do seu pai.

Em seguida ele ainda comeu e bebeu com o coração alegre; depois obscureceu-se-lhe a face, e morreu. E os seus filhos cumpriram tudo conforme seu pai Nephtali lhes ordenara. Fim

A CRIAÇÃO DO MUNDO E O DEMIURGO IALDABAOTH

Sobre a Origem do Mundo

(Gnóstico)

A CRIAÇÃO DO MUNDO E O DEMIURGO IALDABAOTH

(Códice II, 5 e XIII, 2, Nag Hammadi)

Visto que todos — os deuses do mundo e os homens — dizem que nada existiu antes do Caos, demonstrarei que todos se enganaram, uma vez que não conhecem a estrutura do Caos e a sua origem. Aqui está a demonstração:

Se todos os homens concordam que o Caos é escuridão, então é algo que deriva de uma sombra. Ela foi chamada de escuridão.

Mas a sombra é algo que deriva de uma obra existente desde o início.

E óbvio, portanto, que a primeira obra existiu antes que o Caos tomasse forma.

Vamos agora penetrar a verdade, e também a primeira obra, donde veio o Caos; e desta maneira se fará a demonstração da verdade.

Após ter-se completado a natureza dos imortais a partir da natureza do infinito, uma imagem então chamada "Sofia" fluiu para fora de Pistis.

Ela desejou que uma obra parecida com a luz que primeiro existiu passasse a tomar forma, e o seu desejo manifestou-se imediatamente através de uma imagem celestial, de incompreensível grandeza, e que fica no meio, entre os imortais e àqueles que surgiram depois deles, como aquilo que está acima e que é um véu que separa os homens daqueles que pertencem à esfera superior.

O Éon da verdade já não tem sombra dentro de si, pois a luz imensurável está por toda parte dentro dele. A sua aparência exterior, porém, é uma sombra. Foi chamada "escuridão". Do seu interior surgiu uma força por cima dá escuridão. E quanto à sombra, as forças que surgiram depois a chamaram de "o Caos infinito". E dela se originaram todas às raças de deuses, uma e a outra e todo o lugar. Conseqüentemente, a sombra também é posterior à primeira obra que surgiu. O abismo deriva da Pistis acima mencionada.

A sombra então percebeu que havia alguém mais forte do que ela. Era ciumenta, e quando se tornou auto-impregnada, ela experimentou imediatamente um sentimento de inveja. Desde aquele dia, à origem da inveja apareceu em todos os éons e seus mundos. Descobriu-se, porém, que a inveja era um aborto da natureza, sem nenhum espírito dentro de si. Tornou-se igual a sombras dentro de uma vasta substância aquosa.

A ira rancorosa que surgiu então da sombra foi relegada a uma religião do Caos. Desde aquele dia apareceu uma substância aquosa, ou seja, o que estava encerrado na sombra jorrou, aparecendo no Caos. Da mesma forma que a secunda, já inútil para quem dá luz uma criancinha, cai, foi rejeitada a substância que da sombra se formara. A substância não saiu do Caos, ficou dentro do Caos, passando a existir numa parte dele.

Ora, depois de todas estas coisas terem acontecido, veio então Pistis e apareceu por cima da substância do Caos, que fora rejeitada como uma falha da natureza, já que não havia espírito nenhum contido nela. Pois tudo isso representa uma escuridão insondável e uma água de profundidade incomensurável. Pistis, ao ver o que resultou da sua deficiência, ficou perturbada. Sua perturbação manifestou-se através de um efeito terrível que se foi estabelecer no Caos. Pistis então voltou-se para este e soprou em sua face no abismo, que se encontra abaixo de todos os céus.

Quando Pistis Sofia desejou então fazer com que aquele que não tinha espírito recebesse o modelo de uma imagem e predominasse sobre a matéria e todas as suas forças, surgiu primeiro das águas um Governante de aparência igual a um leão, andrógino, imbuído de grande autoridade, mas que não sabia de onde provinha.

Quando Pistis Sofia o viu, então, movendo-se nas profundezas das águas, disse-lhe: "O jovem, passa por aqui", o que é interpretado "Ialdabaoth". A partir daquele dia, surgiu o primeiro princípio da palavra que se referia aos deuses, anjos e homens. E os deuses, anjos e homens constituem aquilo que tornou forma através da Palavra. Além do mais, o governante Ialdabaoth ignora o poder de Pistis. Ele não viu sua face, mas a imagem que lhe falou foi vista por ele na água. E daquela voz originou-se o seu nome "Ialdabaoth". Mas os perfeitos o chamam de "Anel" porque sua forma era à de um leão. E depois de ele ter chegado a possuir o domínio da matéria, Pistis Sofia subiu de volta para a sua luz.

Quando o Governante viu a sua grandeza, só viu a si próprio; não viu mais ninguém com exceção da água e da escuridão. Chegou a pensar então que só ele existia. Completou-se o seu pensamento através da palavra, e manifestou-se tal qual um espírito movendo-se para cá e para lá por cima das águas. E quando surgiu aquele espírito, o Governante separou a substância aquosa da substância árida, colocando a primeira numa região e a segunda em outra região. Com a primeira substância, ele criou uma morada para si. Chamou-a de "Céu". Com a outra substância, o Governante criou um sucedâneo. Chamou-o de "Terra".

Em seguida, o Governante ponderou sobre a sua natureza e criou um ser andrógino através da palavra. Abriu sua boca e vangloriou-se. Quando os olhos deste se abriram, ele viu seu pai e disse-lhe: "Yn". Seu pai chamou-o "Yao". Novamente, ele criou o segundo filho e vangloriou-se. Este abriu os olhos e disse a seu pai: "e". Seu pai chamou-o "Eloai". Novamente, criou o terceiro filho e vangloriou-se. Este abriu os olhos, e disse a seu pai: "as". Seu pai chamou-o "Astaphaios". São estes os três filhos do pai. Sete foram os seres andróginos que apareceram no Caos. Foram-lhes dados um nome masculino e um feminino. O nome feminino de Ialdabaoth é Pronoia Sambathas, isto é, a Hebdômada. Quanto a seu filho chamado "Yao", seu nome feminino é "Autoridade". O nome feminino de Sabaoth é "Divindade". O nome feminino de Adonaios é "Realeza". O nome feminino de Eliaios é "inveja". O nome feminino de Oraios é "Riquezas". O nome feminino de Astaphaios é "Sofia". Estás são as sete divindades dos sete céus do Caos. Elas surgiram como seres andróginos segundo a forma imortal que existirá antes delas e de acordo com vontade de Pistis, a fim de que a imagem daquela que existirá desde o inicio pudesse reger até o fim. Encontrarão a função destes nomes e à divindade masculina em "O Lado Arcangélico de Moisés o Profeta". Os nomes femininos, porém, estão em "O Primeiro Livro de Noraia".

Graças ao seu grande poder, o Primeiro Pai, Ialdabaoth, criou para cada um de seus filhos, através da palavra, céus formosos que serviriam de moradas, e para cada céu, glórias extraordinárias, sete vezes mais grandiosas do que qualquer glória terrena, tronos, moradas, templos e carruagens, virgens espirituais e suas glórias, olhando além para um reino invisível, contendo cada um tudo isso em seu céu; criou também exércitos de forças divinas, nobres, angélicas e arcangélicas, miríades delas para servi-lo.

O relato preciso sobre tudo isto será encontrado em "O Primeiro Logos de Noraia".

Estavam concluídos desta forma os céus, até o sexto, que pertencia a Sofia. Céu e terra ficaram abalados por causa do agitador que se encontrava abaixo de todos eles. E os seis céus estremeceram. Pois as divindades do Caos não sabiam quem era aquele que havia destruído o céu abaixo delas. E quando Pistis ficou a par do desprezo manifestado pelo agitador, ela emitiu seu sopro, amarrou-o e precipitou-o em Tártaros. Desde aquele dia, Céu e Terra consolidaram-se graças à Sofia de Ialdabaoth, aquele que se encontra abaixo de todos eles. Depois de terem-se retificado os céus, suas divindades e todos os do seu governo, o Primeiro Pai enalteceu-se e foi glorificado por todo o exército de anjos. Todos os deuses com seus anjos o louvaram e exaltaram. Seu coração exultou, e ele vangloriou-se continuamente, dizendo-lhes: "Não preciso de nada, sou Deus e nenhum outro existe além de mim". Mas, ao proferir estas coisas, pecou contra todos os imortais, os que não perecem, e estes o protegeram. Além do mais, ao constatar a impiedade do Governante principal, Pistis encolerizou-se. Sem ser vista, disse ela: "Enganas-te, Samael", isto é, "o deus cego". "Um homem iluminado e imortal existe diante de ti. Ele aparecerá revestido de vossos corpos moldados. Ele esmagar-vos-á da mesma forma que o barro do oleiro é esmagado. E vós vos precipitareis com os que vos seguem no abismo, vossa mãe. Porque, na consumação de vossas obras, qualquer deficiência surgida com relação a verdade se irá dissolver. E se extinguirá, e será como se não tivesse sido". Após ter dito estás coisas, Pistis revelou a limagem de sua grandeza nas águas. E assim ela se retirou, subindo até sua luz. No entanto, ao ouvir a voz de Pistis, Sabaoth, o filho de Ialdabaoth, a venerou e condenou o pai, baseado na palavra dela. Glorificou-a por ela ter-lhes contado a respeito do homem imortal e de sua luz. Pistis Sofia, com o seu dedo apontado, derramou nele uma luz gerada pela sua própria luz para a condenação de seu pai. Além do mais, ao receber a luz, Sabaoth recebeu um grande poder contra todas as forças do Caos.

Desde aquele dia, foi chamado "o senhor" das forças". Ele odiava seu pai, a escuridão, e sua mãe, o abismo. Ele abominava sua irmã, o pensamento do Primeiro Pai, que se move em todas as direções por cima das águas.

Todas as Autoridades do Caos tiveram ciúmes dele por causa de sua luz. E, abaladas, travaram uma grande guerra nos sete céus. Pistis Sofia, ao ver a guerra deflagrada, mandou para Sabaoth sete arcanjos da sua luz. Estes o arrebataram e o levaram para cima, ao sétimo céu. Colocaram-se diante dele na qualidade de serventes. Ela enviou-lhe, além disso, três outros arcanjos, e estabeleceu seu reino acima de todos os outros para que ele pudesse reinar" sobre os doze deuses do Caos.

Sabaoth recebeu o lugar de descanso devido ao seu arrependimento; Pistis Sofia, porém, deu-lhe ainda a sua filha Zoe, dotada de um grande Poder, para que esta o informasse a respeito de tudo quanto existe no oitavo céu. E, graças à sua própria Autoridade, ele criou primeiro uma morada para si, um lugar grande e esplêndido, sete vezes mais grandioso do que todos os que existem nos sete céus.

E enfrente a sua morada, ele criou um grande trono sobre uma carruagem quadrilateral, chamada "querubim". E o querubim apresenta oito formas em cada um dos quatro cantos formas de leão, de touro, formas humanas e de águia — perfazendo todas as formas um total de sessenta e quatro. Sete arcanjos se colocam diante dele, sendo ele o oitavo, dotado do poder. As formas todas perfazem no total setenta e duas. A partir" desta carruagem, os setenta e dois deuses recebera um plano; recebera um plano para que possam reger sobre as setenta e duas línguas das nações. E sobre este trono ele criou alguns outros anjos com forma de dragão, chamados "serafins", que o glorificam continuamente.

Depois disso, ele criou uma igreja Angélica — muitas igrejas pertencem a ela — parecida com a igreja que se encontra no oitavo. E um recém-nascido chamado "Israel", ou seja, "o homem que vê Deus", e que tem outro nome também, "Jesus, o Cristo", semelhante ao Salvador que está acima do oitavo, senta-se à sua direita num trono magnífico. A sua esquerda, porém, senta-se um trono, louvando, a virgem do espírito santo. As sete virgens se colocam diante dele, enquanto trinta outras virgens, com liras, harpas e trombetas nas mãos, o glorificam. E os exércitos todos de anjos o glorificam e o louvam. Ele, porém, senta-se num trono oculto por uma grande nuvem luminosa. E não havia ninguém com ele nessa nuvem, a não ser Sofia Pistis, que lhe ensinava a respeito de todos os que existem no oitavo para que a imagem daqueles pudesse ser criada, a fim de que o reino continuasse para ele até a consumação dos céus do Caos e de suas forças.

Pistis Sofia isolou-o então da escuridão. Convocou-o para que se colocasse à sua direita. Ela deixou, porém, o Primeiro Pai a sua esquerda. Desde aquele dia, a direita foi chamada de "justiça", e a esquerda foi chamada de "injustiça". Além do mais, todos eles receberam, por causa disto, uma ordem da assembléia da justiça; e a injustiça rege sobre todas as suas criações.

Quando o Primeiro Pai do Caos viu seu filho, Sabaoth, e notou que sua glória era mais resplandecente do que todas as forças do Caos, sentiu ciúmes dele. Ao ficar irado, gerou a Morte da sua própria morte, e esta se estabeleceu sobre o sexto céu. Sabaoth foi arrebatado daquele lugar. E assim se completou o número das Seis autoridades do Caos. Sendo então a Morte andrógina, ele a associou à sua própria natureza e gerou sete filhos andróginos. Eis os nomes dos machos, Ira, Pranto, Suspiro, Aflição, Lamento, Gemido Triste. E eis os nomes as fêmeas: Ira, Desgosto, Luxúria, Suspiro, Blasfêmia, Rancor, Belicosidade. Mantendo relações entre si, cada um procriou sete, de forma que perfizessem um total de quarenta e nove demônios andróginos. Encontrarão seus nomes e funções em O Livro de Salomão.

E com relação a isto, Zoe, que vive com Sabaoth, criou sete forças boas andróginas. Eis os nomes dos machos: Aquele que não é ciumento, o Abençoado, Feliz, o Leal, Aquele-que-não-é-invejoso, o Bem-amado, o Confiável. Quanto as fêmeas, eis os seus nomes: Paz, Alegria, Regozijo, Bem-aventurança, Verdade, Amor, Fé. Muitos espíritos bons e sinceros derivaram destes.

Encontrarão suas realizações e suas funções em O Esquemata do Heimarmene do Céu que está abaixo dos doze.

Quando o Primeiro Pai, porém, viu a imagem de Pistis nas águas, entristeceu-se. Especialmente quando ouviu a sua voz, que se parecia com a primeira voz que o chamou fora da água, e quando soube que fora esta que lhe dera um nome, ele gemeu e ficou envergonhado de sua transgressão. E quando soube de fato que um homem iluminado e imortal existia próximo a ele, ficou muito perturbado, pois já tinha declarado a todos os deuses e seus anjos: "Sou Deus. Nenhum outro existe além de mim". Teve medo de que soubessem que outro existia diante dele e que o condenassem.

Como um tolo, porém, menosprezou a condenação e agiu imprudentemente, dizendo: "Se existir alguém a meu lado, que apareça para que eu possa ver a sua luz". E, imediatamente, eis que uma luz saiu do oitavo, que está acima, e atravessou todos os céus da terra.

A medida que o brilho da luz ia aumentando, o Primeiro Pai, atônito, viu o quanto ela era formosa e ficou com muita vergonha. Com o aparecimento da luz, uma forma humana, maravilhosa, se foi revelando dentro dela; e ninguém mais a viu exceto o Primeiro Pai e Pronóia, que estava com ele. A sua luz, porém, apareceu a todas as divindades dos céus. O que causou grande transtorno entre elas.

Quando Pronóia viu o anjo, enamorou-se dele. Ele, no entanto, a abominou, pois ela se encontrava nas trevas. Pronóia sentiu também o desejo de abraçá-lo, mas não foi capaz disso. Quando se viu incapaz de deixar de amá-lo, ela derramou sua luz sobre a terra. Daquele dia em diante, esse anjo foi chamado "Adão-Luz", que é interpretado como "O sanguinário iluminado". E a terra estendeu-se por cima dele, Santo Adamas, que é interpretado como "a terra sagrada semelhante ao aço". Todas as autoridades, naquela época, começaram a honrar o sangue da virgem, e a terra purificou-se graças à este sangue. Mas a água purificou-se particularmente graças a imagem de Pistis Sofia que se manifestará como o Primeiro Pai nas águas. Foi com razão, além disso, que eles disseram "através das águas". Uma vez que a água benta confere vida a tudo, ela purifica também. Do primeiro sangue surgiu Eros, o andrógino. A sua natureza masculina é Himeros, porque é o fogo que veio da luz. A sua natureza feminina é a de uma alma sangüínea, e deriva da substância de Pronóia. Ele é de uma beleza notável, possuindo mais encanto do que todas as criaturas do Caos. Quando todos os deuses e seus anjos viram Eros, ficaram fascinados. Mas quando ele se manifestou no meio deles, queimou-os a todos. Dá mesma forma que muitas lâmpadas são acesas por uma única lâmpada e a única luz permanece sem que a potência da lâmpada fique reduzida, Eros também difundiu-se em todas as criaturas do Caos e, contudo, não ficou diminuído. Do mesmo modo que Eros surgiu do ponto central entre a luz e a escuridão, e da mesma forma que no meio dos anjos e dos homens se foi consumando a relação sexual de Eros, desse modo também brotou o primeiro prazer sensual sobre a terra.

O homem sucedeu à terra, A mulher sucedeu ao homem, E a reprodução sucedeu ao casamento, E a morte sucedeu à reprodução.

Depois de Eros, brotou a videira do sangue derramado sobre a terra. Aqueles, portanto, que beberem do vinho, adquirirão desejo sexual. Depois da videira, uma figueira e uma romãzeira brotaram na terra, junto com o resto das árvores, segundo à sua espécie, tendo a sua semente derivada da semente das Autoridades e de seus anjos.

Em seguida, a justiça criou o Paraíso maravilhoso. Este encontra-se fora da rota da lua e da rota do sol, na terra luxuriante que fica no leste, no meio das pedras. E o desejo se encontra no meio das árvores, pois estas são formosas e altas. E a árvore da imortalidade, como foi revelado pela vontade de Deus, está no norte do Paraíso, a fim de dar vida aos santos imortais, que surgirão dos corpos moldados da pobreza na consumação do Eon. Ora, a cor da árvore da vida parece-se com a do sol, e seus galhos são formosos. Suas folhas parecem-se com as do cipreste. Seus frutos são como cachos de uvas brancas. Sua altura alcança o Céu. E a seu lado encontra-se a Árvore do Conhecimento, que detém o poder de Deus. A sua glória parece-se com o brilho intenso da lua. E seus galhos são formosos. Suas folhas são semelhantes a folhas de figueira. Seus frutos são parecidos as tâmaras frescas e saborosas. E isto está no lado norte do Paraíso, a fim de despertar as almas do estupor causado pelos demônios, e fazer com que elas possam chegar à Árvore da Vida, comer do seu fruto e condenar as Autoridades e seus anjos.

A consumação desta árvore está escrita em O Livro Sagrado, como segue:

Tu és a Árvore do Conhecimento

Que está no Paraíso,

da qual o primeiro homem comeu

e que abriu a sua mente, de forma que ele se enamorou de sua co-imagem,

e condenou as outras imagens,

e as abominou.

Então, depois disso brotou a oliveira para purificar os reis e supremos sacerdotes da justiça que surgirão nos últimos tempos. A oliveira surgiu agora à luz do primeiro Adão, em razão da unção que irão receber.

A primeira Psiquê (Alma), no entanto, amou Eros, que estava com ela, e derramou o seu sangue sobre ele e sobre a terra. E desse sangue então brotou a primeira rosa do espinheiro sobre a terra, um toque de alegria na luz que iria surgir na selva. Depois disso, brotaram na terra, do sangue de cada uma das virgens das filhas de Pronóia, as flores formosas e perfumadas, cada uma segundo a sua espécie. Ao enamorarem-se de Eros, as virgens derramaram seu sangue sobre ele e sobre a terra. Depois de terem ocorrido estas coisas, todas as ervas germinaram na terra, segundo a sua espécie e contendo dentro delas a semente das Autoridades e de seus anjos. Depois destas coisas todas, as Autoridades criaram a partir das águas todas as espécies de animais selvagens, répteis e aves, cada um segundo a sua espécie, e contendo a semente das Autoridades e de seus anjos.

Mas antes de todas estás coisas, ao surgir no primeiro dia. Adão-Luz permaneceu assim sobre a terra por dois dias. Ele deixou a terrena Pronóia no Céu, e iniciou a sua ascensão em direção à sua luz. E a escuridão imediatamente caiu sobre o mundo todo. Desejando receber uma autoridade de Pistis Sofia, que se encontra no céu inferior, criou grandes luzeiros e todas as estrelas e pô-los no céu para luzirem sobre a terra e aperfeiçoarem os signos cronológicos, as épocas específicas, os anos, meses, dias, noites e segundos, etc. E tudo que estava acima do céu ficou assim ordenado.

Adão-Luz, ao tentar voltar pai a sua luz, a oitava, não conseguiu devido à pobreza que se imiscuíra nela. Ele então criou um grande Eon para si; e nesse Eon ele criou seis Eons e seus mundos, perfazendo um total de seis, e que são sete vezes mais formosos que os céus do Caos e seus mundos. No entanto, lodos estes Bons e seus mundos existem dentro da região infinita que se encontra entre o oitavo e o Caos, o qual está abaixo dela, e estão incluídos no mundo que pertence à pobreza.

Se desejarem conhecer a disposição destes, encontra-la-ão descrita em O Sétimo Cosmo de Hieralaias o Profeta.

Antes, porém, que Adão-Luz se retirasse, as autoridades o viram no Caos. Zombaram do Primeiro Pai por ele ter mentido, dizendo: "Eu sou Deus. Ninguém mais existe diante de mim". Vieram a ele e disseram: "Não sei"à este o deus que destruiu a nossa obra?" Ele respondeu dizendo: "Sim, mas se desejais que ele não consiga destruir a nossa obra, bem, vamos citar um homem da terra de acordo com a aparência do nosso corpo e de acordo com a imagem desse, para que nos sirva, de forma que, assim que aquele tiver visto a sua imagem, possa enamorar-se dela. Ele não mais então arruinará a nossa obra, mas tornaremos aqueles que serão gerados pela luz nossos servidores durante toda a duração deste Eon". Ora, tudo isso foi acontecendo conforme a previsão de Pistis, de forma que o homem pudesse revelar-se com a sua imagem e condená-los mesmo habitando seu corpo moldado. E seu corpo moldado tornou-se uma barreira para a luz.

O Despertar de Adão da Lama por Eva (Zoe = Vida)

As Autoridades receberam o conhecimento necessário para citar o homem. Sofia Zoe, que está ao lado de Sabaoth, se lhes antecipou, e zombou de sua decisão, pois eles estavam cegos — da ignorância, eles o criaram em seu próprio malefício — e não sabiam o que iriam fazer. Foi por isso que ela se antecipou a eles. Ela criou o seu homem primeiro para que seu corpo moldado passasse a saber como condená-los, salvando-os desta forma.

O nascimento do instrutor ocorreu então deste modo. Quando Sofia jogou uma gota de luz, esta flutuou na água. Imediatamente surgiu o homem, andrógino. Aquela gota moldou primeiro a água num corpo fêmeo. Depois disso, moldou-se dentro do corpo da imagem da mãe que surgiu, e se completou em doze meses. Um homem andrógino fora procriado, aquele que os gregos chamam de "Hermafrodita". Os hebreus, porém, chamam sua mãe de "Eva da Vida", isto é, "a instrutora da vida". O seu filho é o procriado que é senhor. Posteriormente, as Autoridades o chamaram de "a besta", a fim de que desencaminhasse seus corpos moldados. A interpretação da "besta" é "o instrutor"; descobriu-se que ele era mais sábio do que todos eles. Além disso, Eva é a primeira virgem, pois não tinha marido. Quando deu à luz, ela é que se curou. E por isso que se diz ter vindo dela esta declaração:

Sou a porção da minha mãe,

E sou mãe,

Sou a mulher,

e sou a virgem.

Sou a grávida.

Sou o médico.

Sou a parteira.

Meu marido é aquele que me gerou.

e sou sua mãe,

e ele é meu pai e meu senhor.

Ele é minha força.

Ele fala do que deseja com a voz da razão

Eu ainda estou numa condição nascente,

Mas dei à luz um homem grandioso.

Estas coisas agora foram reveladas pela vontade de Sabaoth e seu Cristo às almas destinadas aos corpos moldados das Autoridades; e a respeito destas, a voz sagrada disse: "Multiplicai-vos e prosperai para reger sobre todas as criaturas". E estas são as que foram aprisionadas pelo Primeiro Pai de acordo com a sorte, e foram assim confinadas em seus corpos moldados até a consumação do Eon. E nessa época, então, o Primeiro Pai atribuiu aquelas que estavam com ele uma falsa intenção a respeito do homem. Em seguida, cada uma dentre elas atirou a semente no centro do núcleo da terra. A partir daquele dia, os sete Governantes deram forma ao homem: o seu corpo é parecido com o corpo deles, a sua imagem assemelha-se ao homem que surgiu diante deles. Seu corpo moldado tomou forma de acordo com uma parte de cada um deles. Aquele que os liderava criou sua cabeça e a medula. Depois disso, sua aparência era igual a do homem que ali já estava. Tornou-se um ser vivente, e aquele que é o pai foi chamado de "Adão", de acordo com o nome daquele que estava próximo a ele.

Depois de Adão ter sido totalmente formado, foi deixado por ele num recipiente; não contendo espírito nenhum, resultara numa forma deficiente. Este fato fez com que, ao lembrar-se da palavra de Pistis, o Governante principal tivesse medo de que o homem pudesse apoderar-se do seu corpo moldado e o dominasse. Por isso deixou que seu corpo moldado ficasse sem alma durante quarenta dias. Retirou-se então e o abandonou. Mas, no quadragésimo dia, Sofia Zoe emitiu seu sopro em Adão, que não tinha alma. Ele começou a movimentar-se sobre a terra. Mas não era capaz de acordar. Quando vieram os sete Governantes e o viram, ficaram muito perturbados. Foram até ele e o prenderam; Ialdabaoth, dirigindo-se ao sopro de vida que se manifestava dentro dele, perguntou: "Quem és tu? Donde vieste?" Ele respondeu dizendo: "Eu vim graças ao poder do Homem-luz por causa da destruição de vossa obra". Ao ouvi-lo, os Governantes o glorificaram, pois ele acalmara seu medo e preocupação.

Eles então chamaram aquele dia de "o descanso", por terem conseguido descansar de suas preocupações. E ao perceber que Adão não conseguia acordar, regozijaram-se. Pegaram-no e o abandonaram no Paraíso, retirando-se aos seus céus.

Após o dia de descanso, Sofia enviou Zoe, sua filha, chamada "Eva" (da Vida), como instrutora para despertar Adão, em quem não havia alma, para que aqueles que ele fosse procriar pudessem tornar-se recipientes da luz. Quando Eva viu a sua co-imagem tão abatida, compadeceu-se e disse-lhe: "Adão! Vive! Levanta-te sobre a terra!" Imediatamente sua palavra transformou-se em ação. Pois quando Adão acordou, abriu logo seus olhos. E, ao vê-la, disse: "tu serás chamada `a mãe do ser vivente' pois tu és aquela que me deu vida".

A violação de Eva pelo governante principal (DEUS) e por seus Anjos

As Autoridades souberam então que o seu corpo moldado estava vivo, e que havia despertado. Ficaram transtornados, e enviaram sete arcanjos para verificar o que tinha acontecido.

Estes, ao aproximar-se de Adão, viram Eva falando com ele, e perguntaram-se: "quem é este ser-luz fêmea? Pois ela é de fato, parecida com a imagem que nos apareceu na luz. Ora vamos agarrá-la e introduzamos a nossa semente nela para que uma vez contaminada, ela não consiga ascender até sua luz, para que aqueles que ela gera passem a nos servir. Não conte mos, porém, a Adão que ela não deriva de nós, mas deixemos cai nele um estupor" e instruamo-lo em seu sono de maneira que ele acredite que é a partir de sua costela que a mulher se formou para que ela passe a servir e que ele a domine."

Eva, que existia como divindade, zombou então da intenção dissimulada dos arcanjos Encobriu a visão deles e deixo ali, ao lado de Adão, a sua imagem, secretamente. Ela entrou dentro da Árvore do Conhecimento e lá permaneceu. Eles porém, tentaram segui-la. Ela revelou-lhes que havia entrado na árvore e que se havia tornado árvore. E, ao serem acometidos por um grande medo, fugiram, os cegos.

Ao se recuperarem mais tarde do seu estupor, eles vieram Adão, e quando viram a imagem da mulher que estava com ele ficaram perturbados, achando que esta era a verdadeira. Eva Agiram então inconseqüentemente, foram até ela, a amarraram e depositaram sua semente nela. Eles conseguiram isto recorrendo a muitos truques não apenas violando-a naturalmente, mas abominavelmente violando o sigilo de sua primeira voz, que falara com ele anteriormente, dizendo: "O que é que existe diante de vós?" E impossível, porém, que eles violem aqueles que dizem ter sido gerados na conspiração pelo verdadeiro homem através da palavra. Foram ludibriados, ignorando que haviam violado seu próprio corpo. Foi a imagem que as Autoridades e seus anjos violaram de todas as maneiras.

Ela concebeu primeiro Abel do Governante Principal; e deu à luz os outros filhos concebidos das sete Autoridades e seus anjos. Tudo isto foi acontecendo segundo a previsão do Primeiro Pai, para que a primeira mãe pudesse gerar dentro de si toda semente misturada combinada com o destino do mundo, o seu esquema e a justiça do seu destino. E por causa de Eva, surgiu uma dispensação, a fim de que o corpo moldado das Autoridades pudesse se tornar uma barreira para a luz. Ele iria, por conseguinte, condená-los através de seus corpos moldados.

Além do mais, o primeiro Adão da luz é espiritual, e surgiu no primeiro dia. O segundo Adão é dotado de oliva. Ele surgiu no sexto dia, e é chamado de "Hermafrodita". O terceiro Adão é terreno, ou seja, "homem da lei", e surgiu no oitavo dia, após "o descanso da pobreza", que é chamado "Domingo". A prole do Adão terreno multiplicou-se e povoou a terra. Eles produziram sozinhos todo o conhecimento do Adão dotado de alma. Mas ele era ignorante no que se referia ao Todo. E mais tarde, quando os Governantes viram a ele e à mulher que estava com ele vague-ando na ignorância como os animais selvagens, regozijaram-se intensamente.

Quando se deram conta de que o homem mortal não só não tomaria conhecimento deles, mas que eles passariam a temer também a mulher que se tornara árvore, ficaram perturbados e se questionaram: "Será talvez este que nos cegou e instruiu a respeito desta mulher contaminada e parecida com ele, o verdadeiro homem, a fim de que pudéssemos ser conquistados por ela?"

Os sete então deliberaram juntos. Aproximaram-se timidamente de Adão e Eva e disseram a Adão: "toda árvore que se encontra no Paraíso, e cujos frutos podem ser comidos, foi criada para vós. Mas cuidado! Não comais da Árvore do Conhecimento. Se vós comerdes dela, morrereis." Após ter-lhes dado um grande susto, retiraram-se, indo ao encontro de suas Autoridades.

Então, aquele que era o mais sábio dentre eles, o que era chamado de "a besta", veio. E quando viu a imagem da mãe deles, Eva, disse-lhe: "Que te disse Deus? 'Não comias da Árvore do Conhecimento'?" Ela respondeu: "Ele não só disse `Não comas dela', más 'Não a toques, senão morrerás.!'" Disse-lhe "a besta": "Não fiques com medo! Tu certamente não irás morrer. Porque ele sabe que, ao comer dela, tua mentes e desanuviará e te tornarás como Deus, sabendo das distinções existentes entre o homem mau e o bom. Pois ele te disse isto para que não comas, porque ele é ciumento."

Eva então acreditou nas palavras do instrutor. Olhou para a árvore, viu que era formosa e magnífica, e a desejou. Ela pegou alguns dos seus frutos e os comeu; deu-os também ao seu esposo, e ele comeu também. Suas mentes então se abriram. Pois ao comer, a luz do conhecimento brilhou para eles. Ao se envergonharem, tiveram consciência de sua nudez. Ao voltarem a si, viram que estavam nus, e enamoraram-se um do outro. Ao verem seus criadores, abominaram-nos, pois estes tinham formas bestiais. Passaram a entender muita coisa.

Quando os Governantes souberam que eles haviam transgredido sua ordem, vieram num tremor de terra, entrando no Paraíso de forma ameaçadora para Adão e Eva, a fim de ver o resultado da ajuda. Adão e Eva ficaram então muito perturbados. Esconderam-se debaixo das árvores no Paraíso. Os Governantes, portanto, não sabendo onde estavam, perguntaram: "Adão, onde estás tu?" Ele respondeu: "Estou aqui. Mas por medo de vós escondi-me depois de ter-me sentido envergonhado". Mas perguntaram-lhe, em ignorância: "Quem te falou sobre a vergonha que estás sentindo, a não ser que tenhas comido do fruto da árvore?" Ele disse: "A mulher que me destes, foi ela que me deu do fruto, e eu comi". Eles então perguntaram aquela mulher "Que é que tu fizeste?" Ela respondeu, dizendo: "Foi o instrutor que me incitou, e eu comi. Os governantes achegaram-se ao instrutor que lhes havia encoberto os olhos para que não pudessem fazer-lhe nada impotentes, limitaram-se amaldiçoá-lo. Foram depois para a mulher, e amaldiçoaram a ela e a seus filhos. Em seguida, amaldiçoaram Adão, e a terra e o fruto por causa dele. E amaldiçoaram tudo quanto haviam criado. Não existe bênção vinda deles. E impossível que bem seja produzido pelo mal. É partir daquele dia, as Autoridades souberam que havia de fato alguém forte diante delas. Ela não teriam chegado a saber, não ser que a sua ordem não fosse obedecida, introduzira grande inveja dentro do mundo, só por causa do homem imortal.

Ao ver agora os Governantes que o seu Adão havia adquirido um conhecimento diferente, quiseram testá-lo. Reuniram todos os animais domésticos e selvagens da terra, assim como as aves do céu. Trouxeram-nos a Adão, para ver como ele os chamaria. Ao vê-los, Adão deu um nome a estas criaturas. Os Governantes então ficaram perturbados, porque Adão não demonstrava mais sinal de ignorância. Reuniram-se e deliberaram entre si, dizendo "Cuidado, Adão se tornou igual a um de nós, de maneira que ele percebe a distinção entre a luz e a escuridão. Ora, a fim de que não seja ele enganado da forma em que o foi com a Árvore do Conhecimento, e que chegue também a Árvore da Vida e coma dela, que se torne imortal, e nos domine e condene, e que julgue a nós e a toda a nossa glória uma loucura — proferindo mais tarde uma sentença a respeito de nós e do mundo — bem, vamos então expulsá-lo do Paraíso, mandando-o para a terra, o lugar de onde veio, para que não consiga saber mais a nosso respeito." E assim eles puseram Adão e sua mulher para fora do Paraíso. O que fizeram não os deixou ainda satisfeitos, mas até os atemorizou. Chegaram a Árvore da Vida e a cercaram com seres viventes aterrorizantes e chamejantes, chamados "querubins"; e deixaram uma espada flamejante no meio, girando continuamente, a provocar um grande terror, para que nenhum dentre os homens terrenos pudesse jamais penetrar naquele lugar.

Depois destas coisas, e por terem-se tornado ciumentos de Adão, os Governantes quiseram reduzir suas existências, mas eram incapazes disto por causa do destino, que havia sido estabelecido desde o início. Pois suas existências estavam determinadas: para cada um dos homens, mil anos, de acordo com o percurso dos luzeiros. No entanto, por serem os Governantes incapazes disto, cada um daqueles que se haviam empenhado no mal, diminuiu sua existência de dez anos, e este tempo todo perfaz novecentos anos, sendo estes gastos em desgosto, fraqueza e diversões perversas. E daquele dia em diante, o curso da vida prosseguiu assim rio abaixo até a consumação do Eon.

Quando Sofia Zoe viu que os Governantes das Trevas haviam amaldiçoado a sua coimagem, ela enfureceu-se. E quando saiu do primeiro céu com todo o seu poder, expulsou os Governantes de seus céus, precipitando-os no mundo pecaminoso, para que lá eles pudessem tornar-se iguais aos maus demônios que se encontram na terra. Ela enviou a ave que se encontrava no Paraíso para que esta, até a consumação do Eon, passasse os mil anos no mundo dos Governantes:. um ser vivente vital, chamado Fênix, que se imola a si mesmo, para depois renascer de suas próprias cinzas, em testemunho do julgamento deles, por eles terem agido injustamente com relação a Adão e sua raça.

Até a consumação do Éon, haverá três homens e seus descendentes: o espiritual, o vital e o material. Do mesmo modo que as três formas da Fênix do Paraíso: o primeiro é mortal, o segundo atinge mil anos; quanto ao terceiro, está escrito no "livro Sagrado": ele se consumirá. Existem igualmente três batismos: o primeiro espiritual, o segundo do fogo, o terceiro da água.

Da mesma forma que as Fênix surgem em testemunho dos anjos, no Evito também surgem os crocodilos em testemunho daqueles que descem para o batismo de um verdadeiro homem. No Egito, os dois touros, a medida que possuem o mistério do sol e da lua, existem em testemunho de Sabaoth, pois este existe acima deles. Sofia (de Astaphaios) recebeu o universo desde o dia em que criou o sol e a lua e vedou o seu céu até a consumação do Eon. Ora, o verme gerado pela Fênix também é homem. Está escrito sobre ele: "O justo desenvolver-se-á como a Fênix". E a Fênix surge viva primeiro, morre, e ressuscita de novo, como um sinal daquele que surgiu na consumação do Eon. Estes grandes sinais só apareceram no Egito, e não em outras terras, mostrando que ali é como que o Paraíso de Deus.

Voltemos novamente aos Governantes dos quais já falamos, para que possamos apresentar seu testemunho. Pois, ao serem expulsos dos céus e precipitados na terra, os sete Governantes criaram para si anjos, isto é, muitos demônios, a fim de que os servissem. Estes demônios, porém, ensinaram aos homens muitas aberrações, através de magia, poções, idolatria e derramamento de sangue, e altares, templos, sacrifícios, e libações a todos os demônios da terra, tendo como colaborador o destino, que surgiu com o consentimento dos deuses da injustiça e da justiça. Ao cair portanto na perdição, o mundo foi-se desviando através dos tempo. Pois todos os homens que estão na terra serviram aos demônios, desde o princípio até consumação do Eon, os anjo servindo à justiça e os homens à injustiça. O mundo, deste modo, caiu na perdição, na ignorância e no estupor". todos pecaram até o surgimento do verdadeiro homem.

O que foi dito até aqui é o suficiente. Voltaremos em seguida ao nosso mundo para podermos concluir a discussão sobre sua estrutura e seu governo. Ele aparecerá justo, afinal, conforme a fé for sendo encontrada nas coisas oculta: que surgem do princípio até consumação do Eon. Chego agora aos capítulos louvável sobre o homem imortal. Dirá porque as formas são encontradas aqui. Depois de uma multidão de homens ter surgido através daquele que fora moldada a partir da matéria, e tão logo mundo ficou povoado, os Governantes dominaram este, o seja, possuíram o mundo na ignorância. Qual a causa disto? E esta. Desde então, o Pai imortal soube que uma falha surgira nos Eons e em seus mundos, desviando-se da verdade; querendo portanto frustrar o Governantes da destruição por meio de seus corpos moldado ele enviou vossas imagens, isto é, os abençoados e pequeno espíritos ingênuos, para baixo para o mundo da destruição. Estes têm conhecimento. Pois todo o conhecimento está num anjo que aparece diante deles. Ele se coloca diante do Pai e está autorizado a lhos transmitir. Logo, sempre que aparecem no mundo da destruição, eles primeiro revelarão o preceito da indestrutibilidade para a condenação dos Governantes e de seus poderes.

Além disso, quando os abençoados apareceram nos corpos moldados das Autoridades, estas tiveram ciúme deles. E, devido a este ciúme, as Autoridades misturaram sua semente com eles, para contaminá-los, porém não o conseguiram. Além do mais, ao surgirem em sua luz, os abençoados apareceram distintamente. E cada um deles, da sua terra, revelou seu conhecimento sobre a igreja que surgiu nos corpos moldados da destruição. Descobriu-se que continha toda semente graças à semente das Autoridades que estava misturada com a dela. O Salvador então criou a redenção dentre eles. E os espíritos destes, eleitos e abençoados, surgiram, variando porém em grau, sendo muitos outros desprovidos de reino, e mais extraordinários do que qualquer um que se encontrasse diante deles. Quatro raças existem, conseqüentemente. Três delas pertencem aos reis do oitavo céu.

A quarta raça, porém, não faz parte de reino nenhum, e é perfeita; esta raça é superior a todas as outras. Pois estas entrarão no lugar sagrado de seu pai, repousarão em descanso, numa glória eterna e inefável, num êxtase sem fim. Agora já são reis imortais dentro do reino mortal. Proferirão a sentença sobre os deuses do Caos e suas forças.

Além do mais, o Logos mais sublime do que qualquer outro foi enviado unicamente para está obra, para que pudesse anunciar o que é desconhecido. Ele disse: "Nada há encoberto, que se não venha a descobrir: nem oculto, que se não venha a saber". (Mt 10.6). Estes já foram enviados para que pudessem revelar o que é oculto e desmascarar as sete Autoridades do Caos e sua impiedade. E foram portanto condenadas à morte. Além disso, quando todos os perfeitos surgiram nos corpos moldados dos Governantes, e quando revelaram a verdade incomparável, .sua sabedoria superou a dos deuses, e descobriu-se que o destino destes era condenável, sua força estancada, seu domínio destruído, e sua presciência e suas glórias tornaram-se vãs. Antes da consumação do Eon, o lugar todo será sacudido por um grande trovão. Nessa ocasião lamentar-se-ão os Governantes, implorando a sua morte. Os anjos se afligirão por seus homens, e os demônios lamentarão suas oportunidades, e seus homens se angustiarão, deplorando sua morte. Seus reis ficarão embriagados com a espada flamejante e travarão guerra um contra o outro, de forma que a terra ficará ébria do sangue derramado.

E os oceanos se agitarão em conseqüência desta guerra. O sol então escurecerá e a luz perderá a sua luz. As estrelas do céu não mais obedecerão ao seu curso, e um tremendo trovão sairá de uma força extraordinária que está acima de todas as divindades do Caos, o lugar onde está situado o firmamento da mulher. Após ter criado a primeira obra, está se despojará da sábia chama de seu discernimento. Será acometida por uma fúria insensata. Ela expulsará então os deuses do Caos que havia criado junto com o Primeiro Pai. Precipita-los-á no abismo. Eles serão aniquilados por sua própria injustiça. Pois se tornarão parecidos as montanhas que lançam fogo, corromper-se-ão entre si até que sejam destruídos por seu Primeiro Pai. Ao destruí-los, ele voltar-se-á contra si mesmo e se destruirá até que não seja mais. E seus céus ruirão uns sobre os outros, e suas forças se consumirão.

Seus Eons também serão destruídos. E o céu do Primeiro Pai ruirá e se abrirá em dois. Da mesma forma, a morada e sua felicidade cairá sobre a terra, e a terra não será capaz sustentá-las. Cairão no abismo e o abismo será destruído.

A luz cobrirá as trevas. Porá fim a elas, se tornará como algo que não tenha tomado forma. E a obra à qual havia dedicado a escuridão será dissolvida. E a falha será eliminada e atirada na escuridão. E a luz se retirará para sua essência. E a glória do não gerado surgirá, e preencherá totalmente os Eons, quando enunciado profético e o relato daqueles que são reis forem revelados e cumpridos por aqueles que são chamados perfeitos. Aqueles que não fora aperfeiçoados no Pai não gerado receberão suas glórias e seus Éons e nos reinos dos imortais. Porém, nunca entrarão no reino sem rei.

Pois é necessário que cada um entre no lugar donde veio. Pois cada um, através da sua ação e do seu conhecimento revelará sua natureza. Fim