domingo, 6 de outubro de 2019

A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO


I – INTRODUÇÃO
A doutrina da predestinação tem um aspecto amplo e um mais estreito. Na sua
referência mais ampla refere-se ao fato de que o Deus Trino e uno preordena
tudo quanto vem a acontecer. Desde toda a eternidade, Deus tem preordenado
de modo soberano tudo quanto virá a acontecer na história. O que se mal
interpretado pode desvirtuar o verdadeiro sentido da soberania divina. No
seu aspecto mais estreito predestinação é o ato em que Deus, desde toda a
eternidade escolheu um grupo de pessoas para Ele mesmo, a fim de que elas
fossem trazidas para a comunhão eterna com Ele, enquanto que ao mesmo tempo,
ele ordenou que o restante da humanidade seja deixado para seguir o seu
próprio caminho, que é o caminho do pecado, para o castigo eterno final.
Inicialmente mostraremos o desenvolvimento histórico da doutrina. Em seguida
serão apresentadas as posições de Lutero e Calvino acerca da doutrina, por
serem estes os dois maiores expoentes da Reforma Protestante. Também serão
apresentados os princípios bíblicos da doutrina segundo Louis Berkhof e
finalmente, apresentaremos algumas objeções à doutrina e a nossa conclusão.
II - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA DOUTRINA
Os termos usados pelos pais da igreja ao aludirem a esta doutrina nos fazem
pensar que os mesmo não tinha uma clara concepção do assunto. Agostinho,
Bispo de Hipona, foi o primeiro a desenvolver uma doutrina madura da
predestinação, em sua luta clássica contra Pelágio. Este acreditava estar
baseada a predestinação na presciência divina, consequentemente, ele não
admitia uma "predestinação absoluta", mas em todos os aspectos uma
"predestinação condicional". Inicialmente Agostinho estava inclinado a esta
maneira de encarar a predestinação, mas uma profunda reflexão sobre o
caráter soberano do beneplácito de Deus levou-o a ver que a predestinação
não dependia de modo algum da presciência divina das ações humanas, antes,
era a base da presciência de Deus. Agostinho ensinava a dupla predestinação.
A dos eleitos e a dos réprobos. Entretanto, ele conhecia a diferença que
existia entre ambas, diferença que consiste em que Deus não predestinou uns
para a condenação e os meios para esta do mesmo modo que predestinou outros
para a salvação, e, em que a predestinação para a vida é um ato puramente
soberano, ao passo que a predestinação para a morte eterna é também judicial
e leva em conta o pecado do homem. Durante os mil anos que transcorreram
entre Agostinho e Lutero, a principal corrente da Teologia Medieval
dedicou-se a dissolver o severo predestinacionismo de Agostinho. Pelágio foi
condenado no Concílio de Éfeso(431) e o semi-pelagianismo, a saber, a visão
de que ao menos o início da fé, o primeiro voltar-se para Deus era resultado
de livre-arbítrio, foi rejeitado no II Concílio de Orange(529). Contudo, a
maioria dos teólogos tentou modificar a doutrina, enfraquecendo a base da
predestinação. Todos os reformadores do Sec. XVI defenderam a mais estria
doutrina da predestinação. Entretanto, no desenvolvimento da teologia
luterana, ela foi desaparecendo gradativamente, que agora a considera, total
ou parcialmente(reprovação) como condicional. Calvino sustentou firmemente a
doutrina agostiniana da predestinação dupla e absoluta. As confissões
reformas (calvinistas) são coesas na incorporação desta doutrina. Devido a
investida arminiana contra a doutrina, os Cânones de Dort contém uma
minuciosa exposição dela. Nas igrejas de tipo arminiano, a doutrina da
predestinação foi suplantada pela doutrina da predestinação condicional.
III - LUTERO E A PREDESTINAÇÃO
Para Lutero depois da queda o homem perdeu o seu livre arbítrio, no tocante
à salvação, tornou-se totalmente corrompido pelo pecado e cativo de satanás.
Embora nosso destino eterno, em certo sentido seja determinado por Deus, não
como compelidos a pecar. Pecamos espontânea e voluntariamente. Continuamos
querendo e desejando fazer o mal, a despeito do fato de que em nossas
próprias forças não podemos fazer nada para alterar essa condição. Eis a
tragédia da existência humana sem a graça: estamos tão curvados sobre nós
mesmos, que, pensando estar livres, entregamo-nos exatamente àquelas coisas
que apenas aumentam a nossa escravidão. O propósito da graça é libertar-nos
da ilusão da liberdade, que é na verdade escravidão, e guiar-nos para a
"gloriosa liberdade dos filhos de Deus", somente quando a vontade recebeu a
graça é que o poder de decisão se torna verdadeiramente livre em todos os
aspectos concernentes à salvação. O eco de resposta à escravidão da vontade
é a liberdade do cristão. Visto que fora da graça, o homem não possui nem
uma razão sã, nem uma vontade boa, somente a eleição eterna e a
predestinação podem preparar o homem para a graça. Lutero não se esquivou de
uma predestinação absoluta e dupla. Ele até restringiu o alcance da expiação
de Cristo aos eleitos. Embora Lutero nunca tenha suavizado a sua doutrina da
predestinação(como o fizeram posteriormente os luteranos), ele tentou
estabelecer o mistério no contexto da eternidade. Há, segundo Lutero, três
luzes, a luz da natureza, a luz da graça e a luz da glória. Pela luz da
graça, tornamo-nos capazes de compreender muitos problemas que pareciam
insolúveis pela luz da natureza. Mas a luz da graça é incapaz de nos fazer
compreender os retos julgamentos de Deus, os quais só compreenderemos à luz
da glória. A resposta ao enigma da predestinação encontra-se no caráter
oculto de Deus. No final, quando tivermos prosseguido através das "luzes" o
"Deus Escondido" se mostrará uma só com o Deus que está revelado em Jesus
Cristo e proclamado no Evangelho. Enquanto isso não ocorrer, segundo Lutero,
podemos apenas acreditar nisso. A predestinação assim como a justificação é
também Sola Fide.
IV - CALVINO E A PREDESTINAÇÃO
A palavra predestinação, em sua forma nominal, foi usada pela primeira vez
por Calvino somente nas Institutas de 1539. Calvino não decidiu organizar
seu programa teológico inteiro em torno desta idéia. Calvino assemelha seu
ensino acerca da predestinação basicamente ao de Lutero e Zwinglio. Assim
como os reformadores, Calvino também recorreu a Agostinho. Calvino fez um
movimento realmente original em seu estabelecimento da doutrina dentro de
seu esquema teológico. Usualmente a predestinação é tratada no contexto da
doutrina de Deus como uma aplicação especial da doutrina da providência.
Entretanto Calvino em sua edição definitiva das Institutas separou as duas,
mantendo a providência sob a doutrina de Deus Pai no primeiro volume e
colocando a predestinação sob o título geral da obra do Espírito Santo quase
no final do terceiro. Assim como a providência, em certo sentido, completa a
doutrina do Deus Criador, da mesma forma, a predestinação é o clímax do Deus
Redentor. Podemos resumir a doutrina da predestinação exposta por Calvino em
três palavras: absoluta, particular e dupla. A predestinação é absoluta, no
sentido de que não está condicionada a nenhuma contingência finita, mas
baseia-se somente na vontade imutável de Deus. Em segundo lugar a doutrina
da predestinação é particular no sentido de que pertence a indivíduos e não
a grupo de pessoas. A aliança da graça aplica-se a cada pessoa
individualmente. Com respeito à expiação, isso significa que Cristo não
morreu por todos indiscriminadamente, mas apenas para os eleitos. E em
terceiro lugar a predestinação é dupla, isto é, Deus, para o louvor da sua
misericórdia ordenou alguns indivíduos para a vida eterna, e para o louvor
da sua justiça enviou outros para a condenação eterna. E, neste caso, os
réprobos que foram escolhidos para condenação eterna pelo decreto de Deus
trazem sobre si mesmo a justa destruição a que estão destinados. Se
perguntado sobre a razão pela qual Deus escolheu este ou rejeitou aquele
Calvino replicava que quem indagou estava procurando algo maior e mais
elevado do que a vontade de Deus, e que não poderia ser encontrado.
V - BASE BÍBLICA DA PREDESTINAÇÃO
1. ELEIÇÃO
Deus elegeu indivíduos para serem seus filho e herdeiros da glória eterna,
Mt 22:14, Rm 11:5, I Co 1:27-28, Ef 1:4, I Ts 1:4, I Pe 1:2, 2 Pe 1:10. A
eleição é o ato eterno de Deus pelo qual Ele, em seu soberano beneplácito e
sem levar em contra nenhum mérito humano previsto nos homens, escolhe um
certo número de pessoas para receberem a graça especial e a salvação eterna,
pode-se dizer que a eleição é o propósito de Deus de salvar certos membros
da raça humana em Jesus Cristo e por meio dele.
2. CARACTERÍSTICAS DA ELEIÇÃO
a) Uma expressão da vontade soberana de Deus, do beneplácito divino. O amor
eletivo de Deus precede ao envio de seu filho. Jo 3:16, Rm 5:8, II Tm 1:9, I
Jo 4:9. Ao dizer que o decreto da eleição divina se origina no beneplácito
divino, exclui-se também a idéia de que ela é determinada por alguma coisa
existente no homem, como a fé ou as boas obras previstas, Rm 9:11, II Tm
1:9.
b) É imutável, e portanto torna segura e certa a salvação dos eleitos. Deus
executa o decreto da eleição com a sua própria eficiência, pela obra
salvadora que realiza em Jesus Cristo. Rm 8:29-30; 11:29, II Tm 2:19. c) É
eterna, isto é, é desde a eternidade. Esta eleição divina jamais deve ser
identificada com alguma seleção temporal, seja para o gozo da graça especial
nesta vida, seja para privilégios e serviços de responsabilidade, seja para
herança da glória pro vir, mas, antes, deve ser considerada eterna. Rm
8:29-30, Ef 1:4-5.
c) É incondicional. A eleição não depende de modo algum da fé ou boas obras
previstas, mas exclusivamente do soberano beneplácito de Deus, que é também
originador da fé e das boas obras. Rm 9:11, At 13:48, II Tm 1:9, I Pe 1:2.
d) É irresistível - Não significa que o homem não possa se opor à sua
execução até certo ponto, mas significa sim, que a sua oposição não
prevalecerá. Tampouco significa que Deus na execução do seu projeto subjuga
de tal modo a vontade humana que seja incoerente com a liberdade da ação
humana. Significa porém, que Deus pode exercer tal influência sobre o
espírito humano que o leva a querer o que Deus quer. Sl 110:3, Fp 2:13.
3 - O PROPÓSITO DA ELEIÇÃO
O propósito da eleição é duplo: a) o propósito próximo é a salvação dos
eleitos. A Palavra de Deus ensina claramente que o homem é escolhido ou
eleito para a salvação. Rm 11:7-11, II Ts 2:13.
b) O objetivo final é a glória de Deus. Mesmo a salvação dos homens está
subordina a esta finalidade. Em Ef 1:6,12,14 dá-se muita ênfase no fato de a
glória de Deus ser o supremo propósito da eleição.
VI - OBJEÇÕES À DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
Relacionamos abaixo as seguintes objeções à doutrina da predestinação: a)
torna Deus Parcial(quando este elegendo a uns e a outros não, estaria
fazendo acepção de pessoas).
a) É injustiça para com os não eleitos.
b)Fere o livre-arbítrio humano.
c)Torna os homens meros robôs.
Para entendermos a doutrina da predestinação é preciso primeiro entendermos
que após o pecado de Adão o homem perdeu o seu livre-arbítrio, tornando-se
um escravo do pecado e consequentemente toda a geração posterior estava
condenada e moralmente incapaz de se voltar para Deus. Quando Deus
predestinou alguns homens para a salvação não foi injusto, antes, pelo
contrário, manifestou sua imensa graça para com aqueles a quem elegeu.
Enquanto que aqueles que não foram eleitos permanecem em sua condição de
pecado, moralmente rebeldes contra Deus e por isso justamente condenados.
Deus não torna os eleitos meros robôs, porque Ele não coage, não obriga
ninguém a aceitá-lo, entretanto, pelo seu Espírito, ele influência a vontade
humana a tal ponto que ela livremente vem a querer aquilo que Deus quer,
escolhendo-O finalmente. Existem muitos outros argumentos contrário à
doutrina da predestinação como foi exposta acima, entretanto acreditamos que
os citados seriam um apanhado dos principais.
VII – CONCLUSÃO
Embora toda a argumentação acerca da doutrina da predestinação tenha uma
ampla base bíblica ela não é uma doutrina amplamente difundida. Na maioria
das vezes tem sido aceita a doutrina da predestinação condicional, ou seja,
aquela que condiciona a predestinação divina à sua presciência, isto é, ao
seu conhecimento anterior de mérito humano na sua própria salvação. Muitos
rejeitam esta doutrina por causa das verdades que ela nos faz descobrir.
Como por exemplo descobrir que não tivemos mérito algum em nossa própria
salvação, é um golpe muito duro contra o ego humano. Outros a rejeitam por
não terem ainda alcançado á "luz da graça", como citada por Lutero, a devida
compreensão da mesma. Creio em uma predestinação divina absoluta e
incondicional, onde Deus, pela sua eterna graça elegeu aqueles que Ele
tomaria por povo de sua exclusiva propriedade. Enquanto que aos restantes
Ele apenas os deixou prosseguir em seu próprio caminho de morte. Assim como
Lutero, creio que a predestinação assim como a justificação é Sola Fide. E
que se procurarmos algum outro motivo para a predestinação que senão o
beneplácito de sua vontade, como disse Calvino, estaremos procurando algo
maior do que a própria vontade de Deus, o que não pode ser encontrado.

BIBLIOGRAFIA:
BERKHOF, Louia - TEOLOGIA SISTEMÁTICA - Trad. por Odayr
Olivetti - Campinas, SP: Luz para o Caminho Publicações, 1990.

CONNER, Walter T. - O EVANGELHO DA REDENÇÃO - Trad. por Davi Gomes e Jabes
Torres - 2ª edição - Rio de Janeiro, RJ: Junta de Educação Religiosa, 1981.

GEORGE, Thimotht - TEOLOGIA DOS REFORMADORES - Trad. por Gérson Dudus e Valéria Fontana - São Paulo, SP: Vida Nova, 1993.
KLOOSTER, Fred. H. - A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO EM CALVINO - São Paulo, SP: Vida Nova, 1993.
SELPH, Robert B. - OS BATISTAS E A DOUTRINA DA ELEIÇÃO - São José dos
Campos, SP: Editora Fiel, 1995.

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